você conhece a APAC e a Guilhermina?
Muito se fala sobre a situação da segurança pública no Brasil. Eu também vou falar um pouquinho. Sabe-se que, atualmente, um dos aspectos mais questionados e preocupantes para os que estão inseridos na realidade brasileira é o alto índice de violência, índice esse que se relaciona com uma série de fatores, dentre eles, a falência do sistema carcerário brasileiro. Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), o índice de reincidência brasileiro está entre 70% e 85%. No contexto brasileiro estamos diante de um sistema carcerário com grandes necessidades, falta espaço para a humanização e recuperação do sujeito encarcerado e sua reinserção na sociedade é feita de forma inadequada. A Lei de Execução Penal (1999) brasileira instituiu que a pena privativa de liberdade deve se dirigir a dois caminhos, o da punição e o da recuperação do indivíduo infrator. Nesse sentido Lemgruber (2001) lembra que o presídio tradicional não cumpre sua função, visto o índice de reincidência e o aumento da criminalidade. “(…) Se os investimentos em presos e prisões equivalessem a reduções proporcionais nas taxas de criminalidade, priorizar a construção de celas, em detrimento de salas de aula, talvez valesse à pena.” (LEMGRUBER, 2001, p. 12). Dessa forma são atingidos tanto os que estão fora quanto os que estão dentro da prisão. Todos se tornam alvos do paradoxo que é o sistema penitenciário brasileiro. Então, pergunta-se: de que forma pode-se recuperar o sujeito que cometeu um ato anti- social? Uma alternativa apresentada a essa pergunta é o método utilizado pelo Centro de Reintegração Social (CRS) preconizado pela Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC). Isso porque o índice de recuperação dos que se submete a esse método é, segundo o professor de Direito e presidente do Conselho de Fundadores da APAC Fábio Alves citado pelo Jornal PUC Minas (2005), de 91%. Essa é a causa da Maria Guilhermina Miranda Campos de Abreu.
A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota. Jean Paul Sartre
A – Um dos prazeres que tive exercendo a função de Subsecretário da Juventude de 2011 a 2014 foi conhecer pessoas incríveis. Coordenando o PlugMinas, um programa sensacional que existe no Horto Florestal em Belo Horizonte, conheci uma aluna do Núcleo de Empreendedorismo. Depois de certo tempo na política, você desenvolve ouvidos e olhos para perceber gente de um modo diferente em segundos. Quando a Guilhermina falou, fiquei completamente atento. Ela é uma dessas pessoas cuja existência é pura bondade. Ela, nos próprios dizeres, é fofa! É mesmo. Desafio alguém a não gostar dela… Bom, talvez exista um ou outro. Ele deve continuar tentando. Essa jovem tornou-se conselheira estadual de juventude e me ajudou muito no governo. Ainda, ela se inscreveu e foi aprovada para participar de uma viagem pelas 27 capitais brasileiras tornando-se integrante da Turma do Chapéu. Com outros amigos, ela compõe o coletivo Embaixadores de Minas dedicado à educação. Nã para nisso… A moça quer uma APAC em Belo Horizonte. E só falta o terreno. Quero ajudá-la. Como? Antes quero compartilhar para todos essa ideia que vale a pena. Alguns dias atrás, Guilhermina me levou com mais dois amigos para conhecer a unidade da APAC em Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte.

B – O método APAC, idealizado por Mário Ottoboni em 1972, visa ao resgate do humano intrínseco ao criminoso por meio do incentivo à supressão do crime e do fornecimento de condições necessárias ao processo de humanização e, portanto, recuperação dos encarcerados.
C – A filosofia da APAC sugere que se mate o criminoso e salve o homem presente nos sujeitos anti-sociais por meio da valorização humana, do trabalho, do convívio com os familiares (em dias de visita e aniversários), e, em especial, por meio do discurso religioso em que se fundamenta o método.
D – Sabe-se que o homem, ao cometer um crime, é julgado, e uma das penas impostas é o encarceramento. A privação de liberdade como forma de punição àqueles homens infratores das leis vigentes teve seu início, segundo Bitencourt (2004), nos Estados Unidos. O autor afirma ainda que esses foram os pioneiros na fomentação dos sistemas penitenciários que têm como constituintes três tipos de instituições: os sistemas pensilvânico, auburniano e progressivo.
E – O sistema pensilvânico, como o próprio nome já elucida , originou-se na Colônia da Pensilvânia, em 1681. Sua função consistia em acabar com as penas corporais e mutilantes. Assim, a pena de morte vigorava apenas em casos de homicídio. A primeira prisão norte-americana dentro desse modelo foi construída em 1766.
F – O sistema auburniano, segundo Bitencourt (2004), surgiu como necessidade de superação dos defeitos e limitações do sistema pensilvânico. A construção da prisão de Auburn em 1816 carregou em si uma novidade na estrutura das prisões: possuía três tipos de pavimentos e cada qual compreendia um determinado perfil de delinqüente. A primeira ala caracterizava-se pelo isolamento contínuo, destinado aos presos mais velhos e delinqüentes persistentes. A segunda abrigava aqueles que tinham permissão para trabalhar e se mantinham isolados três vezes por semana. Já a terceira, destinava- se aos que despertaram maiores esperanças de serem corrigidos. Percebeu-se que, nessa organização, havia um menor número de mortes e surtos em comparação ao sistema pensilvânico. Além dos benefícios que as prisões auburnianas proporcionavam, elas eram mais econômicas, uma vez que alguns apenados exerciam trabalhos organizados.
G – Segundo Bitencourt (2004), o ápice da pena privativa de liberdade coincide com a abdicação do sistema pensilvânico e auburniano e a adoção do regime progressivo. A peculiaridade desse regime consiste em dividir o tempo da duração da condenação em períodos. Aumentam-se em cada período as regalias que o recluso pode desfrutar de acordo com sua boa conduta e o aproveitamento demonstrado durante o tratamento reformador. Outro aspecto é a possibilidade do preso reinserir-se ao restante da sociedade antes do término da condenação. Bitencourt (2004) comenta ainda que, com tal método, esse sistema pretende estimular a boa conduta do condenado por meio de sua reforma moral.
Eu sou contra a violência porque parece fazer bem, mas o bem só é temporário; o mal que faz é que é permanente. Mahatma Gandhi
H – Como reflexo dos modelos pensilvânico, auburniano e progressivo, observa-se que o modelo carcerário atual é um viés extremamente paradoxal no que se refere ao combate à criminalidade. São cada vez mais freqüentes as denúncias da mídia que desmascaram a política e a fundamentação contraditória de uma penitenciária que é sustentada por um discurso ideológico baseado na reinserção social do indivíduo encarcerado. No contexto da realidade brasileira, a Lei de Execução Penal (LEP) estabelece que a pena privativa de liberdade tenha duas funções: a punitiva e a recuperativa. Portanto, o sistema penitenciário instituído não contempla o que está prescrito em lei. As cadeias não recuperam ninguém! Pior: fazem o contrário! Tem-se ainda como reflexo no sistema penitenciário atual, o modelo de prisão do século XVIII,criado e desenvolvido por Bentham (2000). Segundo esse autor, a prisão é uma escola em que se ensina a maldade, o tédio e a vingança por meios eficazes na construção da educação de perversidade. Assim, o modelo de prisão desenvolvido de Bentham (2000) buscou recuperar o humano por meio de dispositivos fluidos e invisíveis na medida em que a violência simbólica predominou sobre a física.
I – No estado de São Paulo, na cidade de São José dos Campos, em 1972, o advogado e membro da pastoral carcerária, Dr. Mário Ottoboni iniciou um trabalho que foi chamado de APAC “Amando ao Próximo Amaras a Cristo”. Trata-se de uma organização não governamental, uma entidade civil de direito Privado, tendo um Estatuto que é adotado em todas as cidades em que se instalou. A APAC hoje nomeada como “Associação de Proteção e Assistência aos condenados”, tem a finalidade de desenvolver no presídio, uma atividade relacionada com a recuperação do preso, suprindo a deficiência do Estado nessa área, atuando na qualidade de Órgão Auxiliar da Justiça e da Segurança na Execução da Pena, conforme se lê em seu Estatuto Social. A APAC protege a sociedade devolvendo ao seu convívio apenas homens em condições de respeitá-la.
J – O método APAC proporciona ao condenado, co-responsabilidade pela sua recuperação, uma vez que ele tem como aliadas assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica, todas prestadas pela comunidade. A metodologia da APAC fundamenta-se no estabelecimento de uma disciplina rígida, caracterizada por respeito, ordem, trabalho e o envolvimento da família do sentenciado.

K – O objetivo da APAC é promover a humanização das prisões, sem perder de vista a finalidade da pena. O método APAC tem como propósito evitar a reincidência no crime e oferecer alternativas para o condenado se recuperar. O Estado onde mais existem unidades da APAC é Minas Gerais. A APAC, a fim de operacionalizar o seu método, utiliza-se do Centro Reintegração Social (CRS), onde a vigilância é realizada pelos próprios recuperandos. Sendo assim, o modelo de controle social criado por Bentham (2000) por meio de dispositivos, dentre eles o olhar, pode dialogar com os princípios postulados pelo método APAC. Eu presenciei a iniciativa do governo estadual em ajudar o sistema na construção de novas unidades:
L – O STJ (2002) afirma que o índice de recuperação dos que se submete ao método APAC é de 91%. Já nos modelos tradicionais o índice é de 15% de recuperação. E, segundo o STJ (2002), nunca foi registrada nenhuma rebelião nos presídios adotantes do método APAC.
Uma das coisas importantes da não violência é que não busca destruir a pessoa, mas transformá-la. Martin Luther King
M – Hoje, a APAC instalada na cidade de Itaúna/MG é uma referência nacional e internacional, demonstrando a possibilidade de humanizar o cumprimento da pena. O método socializador da APAC espalhou-se por todo o território nacional (aproximadamente 100 unidades em todo o Brasil) e no exterior. Já foram implantadas APACs na Alemanha, Argentina, Bolívia, Bulgária, Chile, Cingapura, Costa Rica, El Salvador, Equador, Eslováquia, Estados Unidos, Inglaterra e País de Gales, Latvia, México, Moldovia, Nova Zelândia e Noruega. O modelo Apaqueano foi reconhecido pelo Prison Fellowship International (PFI), organização não-governamental que atua como órgão consultivo da Organização das Nações Unidas (ONU) em assuntos penitenciários, como uma alternativa para humanizar a execução penal e o tratamento penitenciário.
N – O custo de cada preso para o Estado corresponde a quatro salários mínimos enquanto na APAC a um salário e meio!
0 – A Apac não é remunerada para receber ou ajudar os condenados. Ela se mantém através de doações de pessoas físicas, jurídicas e entidades religiosas, de parcerias e convênios com o Poder Público, instituições educacionais e outras entidades, da captação de recursos junto a fundações, institutos e organizações não governamentais, bem como das contribuições de seus sócios.
P – Todos os recuperandos são chamados pelo nome, valorizando o indivíduo. Isso não acontece no sistema prisional onde os encarcerados recebem números. A comunidade local participa efetivamente, através do voluntariado. É o único estabelecimento prisional que oferece os três regimes penais: fechado, semiaberto e aberto com instalações independentes e apropriadas às atividades desenvolvidas. Não há presença de policiais e agentes penitenciários, e as chaves do presídio ficam em poder dos próprios recuperandos. E não existem armas. A religião é fator essencial da recuperação.
Q – Além de frequentarem cursos supletivos e profissionais, os recuperandos praticam trabalhos laborterápicos no regime fechado; no regime semiaberto cuida-se da mão de obra especializada (oficinas profissionalizantes instaladas dentro dos Centros de Reintegração); no regime aberto, o trabalho tem o enfoque da inserção social, pois, o recuperando trabalha fora dos muros do Centro de Reintegração prestando serviços à comunidade.Há um número menor de recuperandos juntos, evitando formação de quadrilhas, subjugação dos mais fracos, tráfico de drogas, indisciplina, violência e corrupção;
Vivemos num mundo onde nos escondemos para fazer amor! Enquanto a violência é praticada em plena luz do dia. John Lenon
R – A participação da comunidade é um dos desafios, pois, romper com os preconceitos demanda um preparo da equipe de trabalho, bem como dos voluntários, juntamente com uma discussão com a comunidade sobre qual a responsabilidade de cada um.
S – Se as pessoas conhecessem esse local, entenderiam que o processo das penas no Brasil pode ser diferente. Hoje, a metodologia é aprovada pelos poderes públicos e pela sociedade, e Minas conta com mais de 40 APACS e um total 2.500 mil recuperandos.
T – Eu passei duas horas conversando com um deles na visita que realizei. não vou dizer seu nome, mas vou dizer um nome: Fernando. Ele leva essa tatuagem no braço. Pedi para fotografá-la na horta da APAC. Sim, há uma horta e o muro pode ser facilmente pulado. Não quis saber qual crime ele cometeu. Sei que Fernando era o nome do pai dele, morto quando ele ainda era jovem. A família se desestruturou e ele se viu no crime. Teve o seu primeiro filho e colocou o nome do seu pai: Fernando. Esse nome é o que tem motivado a se recuperar: pelo passado do pai e pelo futuro do filho. O recuperando me mostrou todos os quartos, todas as oficinas, todos os locais, sempre comparando aquele espaço com a penitenciária de onde ele tinha vindo e para onde não queria voltar.
U – O ex-goleiro Bruno Fernandes foi transferido para a APAC de Santa Luzia.
V – A APAC de Nova Lima, onde realizei a visita, está em expansão e vai ter uma unidade feminina também. O juiz da Vara Criminal e da Infância e Juventude de Nova Lima, Juarez Morais de Azevedo, é seu idealizador. Dos 23 anos como juiz, há 20 atua na cidade. Casado há 33 anos com a mesma mulher e pai de três filhos, se orgulha em ver suas conquistas representadas por uma família de princípios e trabalhos que modificam vidas e trazem novas perspectivas à sociedade, sendo um dos principais agentes que propuseram a modificação do sistema prisional no país. Por mim, ele seria candidato a prefeito da cidade. Fica a dica.
X – Ninguém quer saber o que alguém fez no passado nesses locais. A ideia de recuperação é levada a sério e funciona. Por qual razão não há tantos mais espalhados pelo Brasil?

W – O maior entrave certamente decorre das pessoas não desejarem ser vizinhas de uma “cadeia”. O processo depende de autorizações do poder público. E isso entra no jogo político. Você pode acompanhar as movimentações nesse aspecto na Câmara Municipal de Belo Horizonte aqui.
Y – O Tribunal de Justiça de Minas Gerais possui um movimento chamado “novos rumos” cujo objetivo é ampliar o número de APACS. Em Belo Horizonte, já há um estatuto e Maria Guilhermina é diretora. Só falta mesmo o terreno.
Z – Portanto, ficam aqui dois pedidos: se você for prefeito da capital e se sensibilizar com a causa, que tal fornecer esse terreno de uma vez. Se não for, que tal compartilhar essa ideia?
2 Comentários
Guilhermina, seu sonho também é o meu, portanto conte comigo para tudo o que for necessário, a fim de acordarmos mulheres que vivem em pesadelo e nas prisões sentindo a vida passar sem sentido algum.
Meu currículo: Professora aposentada; Diretora de Escola do ensino fundamental e médio; Supervisora e coordenadora da FUBRAE, foram 43 anos de vida profissional.
Aposentei-me do serviço público, mas não aposentei-me da vida.
Já exerci trabalho voluntário em Três Corações e Lambari, onde apliquei o Programa VIVE(Vivendo valores na Educação), para todos os funcionários das escolas e também para os pais. Foi uma experiência apoiada pela prefeitura e por um comerciante da região.
Voluntária também no Abrigo Jesus, atendendo crianças e jovens e também para os pais. Ficarei imensamente feliz por fazer parte de um programa que eu acredito. Paz em seu coração.
Obrigada.