O vírus da solidão

Quero iniciar dizendo algo importante: não saia. Fique isolado. No sábado, 7 de março, vivi um dos dias mais felizes da minha vida. Estava cercado de gente querida numa festa celebrando com antecedência meus 34 anos, completados na quinta-feira, dia 12 de março. Para o exato dia do meu nascimento, planejei um happy hour com meu time e um jantar com minha família. Contudo, no dia anterior, 11 de março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu o alerta desse vírus que se alastrou. Tomei decisões.

Cancelei o jantar (meus parentes têm mais de 60 anos). Desisti do happy hour (há um membro na equipe com mais de 60 anos.) Pedi às pessoas do meu time para passar a trabalhar em suas casas. Ainda naquele dia, agendei um teste para mim, minha família e minha equipe, realizado no sábado, 14 de março. Precaução. Tive medo. Na sexta-feira, 13 de março, estive no hospital para dialogar com o médico que me aconselha. Postei as informações nas mídias sociais para alertar o risco. Estávamos numa crise. Fui à Câmara Municipal votar.

À noite, compareci ao aniversário do meu amigo Mateus Simões, que me fará falta como vereador, mas que passou a ajudar o governador Romeu Zema. Estive no Mercado Central para sua festa. Fiquei pouquíssimo tempo. Seria a última aglomeração a ir… No fim de semana, mesmo com a intenção de ir a festas, desisti de eventos sociais. Fui a uma palestra onde me desculpei ao não cumprimentar ninguém. Comi fora com cuidados. Redobrei a atenção com a família. Queria ficar isolado desde domingo.

Todavia, havia uma sessão extraordinária na Câmara Municipal. Na pauta, um projeto de lei da carreira de servidores da saúde. Fui lá votar. Discursei sobre a importância deles nesse momento. Decidi almoçar no shopping e acabei nem comendo. Entrei numa loja e fui atendido por pessoas que usavam luva e máscara. Retornei à Câmara Municipal por ser convocado para uma comissão de enfrentamento à crise. Terminei os trabalhos e li que, na festa a que fui na sexta-feira anterior, uma pessoa podia estar contaminada. Fui para meu apartamento.

No dia seguinte, 17 de março, recebi uma ligação para me informar que eu tinha contraído o vírus. Foi terrível! Todavia, decidi compartilhar a informação no mesmo momento. Permanecia assintomático. Não viajei para o exterior desde janeiro, quando estive no Reino Unido. Não tive contato com ninguém que apresentasse sintomas. Não sei como contraí. Ontem, passei a sentir febre. Estou tossindo. Nunca fiquei tanto tempo só. Estou num quarto…

Existem pessoas sem casa. Existem pessoas sem reservas. Existem pessoas que podem morrer com esse vírus. É sobretudo por elas que, mesmo diante do período mais insuportável da minha vida, ficarei isolado, e peço para vocês se isolarem também. Relatei meus últimos dias para mostrar que tudo aconteceu muito rápido. E pode piorar antes de melhorar. Precisamos prevalecer. Precisamos do esforço de todos. Há um conjunto de pessoas atuando nos serviços essenciais. Cada um precisa fazer sua parte. Pode parecer fácil, mas ficar sozinho, descobri, é algo terrível.

Tenho recebido mensagens positivas. Tenho conversado com outras pessoas infectadas pela Covid-19. Ajuda. Podemos extrair o melhor de nós ou o pior de nós. Lamento por quem usa esse vírus para me atacar. Quero acreditar que todos acordaremos desse pesadelo. Vamos prevalecer. (O artigo desta semana seria sobre o Parque Municipal, que vejo da minha janela. Ele nunca pareceu tão distante. Quero respirar aquele ar o mais breve possível. Quero viver.)

Publicado em Jornal O Tempo em 20/03/2020.