o que o centro de Belo Horizonte pode aprender com Reiquiavique (capital do país mais seguro do mundo)
Na semana passada, li no jornal O Tempo uma notícia muito ruim. Eu moro na região onde está concentrada metade dos roubos que ocorrem em Belo Horizonte. O pedestre que circula no entorno da Praça Sete de Setembro, da Praça Rio Branco (Rodoviária) e Praça Rui Barbosa (Estação) é o principal alvo de ladrões na capital mineira. A arma de fogo e os objetos cortantes respondem por metade dos objetos usados por esses criminosos para ameaçar suas vítimas. O jornal Estado de Minas destacou que o lugar favorito dos bandidos fica justamente em frente ao comando policial. Curiosamente, estou justamente no lugar mais seguro do mundo nesse momento: a Islândia. E acho que temos algumas coisas a aprender com esse país. Em breve, volto para minha realidade, mas com novas ideias.
A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota. Jean Paul-Sartre
A – Em 2014, pela primeira vez desde que a República da Islândia foi criada na década de quarenta, a polícia do país matou um homem a tiros. O suspeito fez disparos com uma espingarda dentro de seu apartamento, supostamente contra policiais que tentaram invadir o imóvel. O homem acabou sendo morto a tiros pelas forças especiais.
B – Possuir uma arma é coisa comum na Islândia. O país não possui exército e quase toda população é armada. Trata-se do 15º país com mais armas por habitante do mundo.
C – Os crimes violentos são praticamente inexistentes na Islândia. As crianças brincam na rua sozinha. As portas ficam destrancadas durante a noite. Cada país que enfrenta a violência tem sua fôrmula específica. Segundo o UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes), a taxa de homicídios na Islândia entre os anos de 1999 e 2009 nunca foi mais alta que 1,8 por 100 mil habitantes.
D – Os Estados Unidos, por sua vez, registraram no mesmo período taxas de homicídio anuais de 5 a 5,8 casos para cada 100 mil habitantes.
E – No Brasil, a taxa é ainda maior, de 23 homicídios por 100 mil habitantes.
F – De acordo com professores, autoridades, advogados e jornalistas, os fatores do sucesso da Islândia nessa área começaram a ser delineados – embora seja impossível determinar em que medida cada um deles contribui para o resultado final – desde que o país foi criado.
G – Em primeiro lugar, quase não há diferença entre as classes alta, média e baixa na Islândia. Por causa disso, praticamente inexiste tensão econômica entre classes – algo raro em outros países.
H – Um trabalho de um estudante da Universidade do Missouri que analisou o sistema de classes islandês descobriu que somente 1,1% dos participantes do levantamento se descreviam como classe alta e apenas 1,5% como classe baixa. Os 97% restantes se identificaram como classe média, ou trabalhadora.
I – Para Bjorgvin Sigurdsson, ex-presidente do grupo parlamentar da Aliança Social Democrata, e para a maioria dos islandeses com quem falei, a igualdade é a principal causa da quase ausência de crimes. Os filhos de todos estudam nos mesmos colégios.
J – Os sistemas de serviços públicos e de educação do país promovem a igualdade.
K – Os poucos crimes que acontecem no país geralmente não envolvem armas de fogo, apesar dos islandeses possuírem muitas. A página de internet GunPolicy.org estima que haja aproximadamente 90 mil armas no país – cuja população é de cerca de 320 mil pessoas. Isso faz com que a Islândia figure na 15ª posição no ranking mundial de posse legal de armas de fogo per capita.
L – Adquirir uma arma de fogo não é fácil no país. O processo inclui um exame médico e uma prova escrita.
M – A polícia também não anda armada. Os únicos agentes que podem portar armas de fogo são uma força especial chamada “Esquadrão Viking” (claro!), que atua em poucas ocasiões.
N – Além disso, o tráfico de drogas na Islândia é pouco expressivo. Segundo um relatório da UNODC, o consumo de cocaína por cidadãos com idades entre 15 e 64 anos é de 0,9%; o de ecstasy, 0,5% e o de anfetaminas, 0,7%.
O – Há uma tradição na Islândia de denunciar os crimes diante de qualquer indício ou agir para freá-los logo no início, antes que a situação piore. No momento, a polícia está combatendo o crime organizado enquanto o Parlamento discute leis para ajudar a desmantelar essas redes criminosas.
P – Quando as drogas pareciam ser um problema em expansão no país, o Parlamento estabeleceu uma política antidrogas independente e um tribunal especial para lidar com o problema. Isso aconteceu em 1973. Nos dez primeiros anos de funcionamento do tribunal, 90% dos casos foram resolvidos com multas.
Q – Perguntava para as pessoas na rua, qual a principal razão da Islândia ser um território livre violência. Todo mundo foi uníssino: aqui, ninguém fica sem punição. Eu me recordo de uma das maiores lições que aprendi na Faculdade de Direito, com a professora de Direito Penal, Ana Paula: o que freia o crime não é o tamanho da pena, mas a certeza de que o malfeito será punido.
R – Quem deseja se aprofundar no assunto, deve ler o livro Crime e Cidades, do Professor da UFMG, Cláudio Beato. As profundas diferenças sociais brasileiras estão na raiz do problema que vivemos. A situação se agrava com o despreparo policial, a ausência de de infraestrutura e tecnologia, os poucos mecanismos urbanos para diminuir as ocorrências e uma legislação que não auxilia.
S – Eu sempre morei no Centro. Quando mais jovem, o que aterrorisava as pessoas eram os arrastões. Os bandidos atuavam em bando e simplesmente promoviam um cordão de gente que ia arrancando tudo o que podia dos pedestres num ruma de esquina a esquina. Eles agiam e se dispersavam. os assaltos eram muito frenqüentes, depois diminuiram. Agora, começam a aumentar de novo… A gente mede isso ouvindo as pessoas gritar “pega ladrão” pela janela.
T – Vejam: o Brasil perde um tempo precioso em polêmicas. Reduzir ou não a maioridade penal? Proibir ou não o porte de arma? Tenho opinião sobre ambas, mas guardo-as para um novo texto. Acho que somos apaioxonados por polêmicas e desatentos com a soluções.
U – Releiam a notícia dos jornais mineiros. Todo o comércio local já conhece os criminosos. Como é que a polícia ainda não dispõe de um mecanismo que utilize a população local como faz a Islândia? Que seja com apitos, um aplicativo de celular ou telefone. Em Belo Horizonte, a vigilância pode ser multiplicada com criatividade e garantir a população dias mais seguros.