Brasil: esse tabuleiro de xadrez
Brasil: esse tabuleiro de xadrez

O PT em xeque (o que acontece no tabuleiro da política após a prisão do Senador Delcídio do Amaral?)

É madrugada do dia 26 de novembro de 2015. Muita gente não dorme nesse momento. Eu também não. No meu caso, todavia, não é o temor de que a Polícia Federal apareça na minha residência em conjunto com os raios do sol. É tão somente a incapacidade de fechar os olhos com a mente repleta de ideias. Algumas pessoas apareceram aqui por volta das três da manhã e estão conversando na cozinha. Eu sigo aqui na biblioteca. E fico pensando: o que vai ser do Brasil amanhã? Há aqui, entre as inúmeras quinquilharias que se amontoam entre livros, um tabuleiro de xadrez que trouxe da Índia. Acho que utilizá-lo nesse texto é oportuno. O Senador Delcídio Amaral, do PT do Mato Grosso do Sul, foi preso. E agora? Qual será próxima peça?

Se queres destruir um homem, ensina-lhe a jogar xadrez. Oscar Wilde

A – Só me restou recorrer ao tabuleiro. Eu passei o ano inteiro de 2015 respondendo a uma pergunta maldita: você acha que a Presidente Dilma Rousseff sofrerá um processo de impeachment? Eu repetia como Amy Winehouse em sua famosa canção: não, não, não. E achava mesmo que a minha resposta manteria-se sólida até o fim de 2018. Não sou um torcedor. Atento-me aos fatos. Formei-me no Colégio Militar. Não tenho tempo para torcer. E sei que desapontava muitos daqueles que me indagavam esperando uma resposta diferente. O que posso dizer? Essa quarta-feira mudou o jogo. E explico os motivos.

B – Leiam as capas do principais jornais. A Folha de S. Paulo diz que “Por 59 votos a 13, Senado decide manter a prisão de Delcídio do Amaral. O Estado de S. Paulo afirma que “Em voto aberto, o Senado decide manter Delcidio do Amaral preso“.  O jornal O Globo não muda muito e estampa que “Em votação aberta, Senado decide manter prisão de Delcídio. Leiam tudo.

C – Vamos dispor as peças no tabuleiro. 2014 terminou com uma eleição complicada. Não levou muito tempo para que o Brasil percebesse o tamanho da enrascada em que se meteu. A operação Lava-Jato se mexeu com habilidade no jogo: começou aniquilando peões sem esquecer que seu objetivo principal era colocar a peça mais importante em xeque. Vamos direto ao ponto aqui: Lula! Quem pode duvidar que Lula é o grande mentor de uma estratégia que tinha como objetivo perpetuar o PT no poder? Lula foi eleito em 2002. Em 2005, revelaram o Mensalão, mas ainda assim ele conseguiu se reeleger. No entanto, seus sucessores naturais tombaram. Tanto José Dirceu quanto Antonio Palocci foram encurralados. Sobrou quem? Sobrou Dilma Rousseff, esta coisa…

D – Por muito tempo, acreditei que o Petrolão foi um esquema que surgiu após o fim do esquema do Mensalão. Estava enganado! O Petrolão surgiu ao mesmo tempo que o Mensalão! Tratava-se do mesmo objetivo. Qual? Manter o poder a qualquer custo! Usar o que é público para beneficiar um grupo! Dizem por essas bandas que a maior estatal brasileira, a Petrobras, foi utilizada para financiar campanhas eleitorais do PT. Um engano! Não foi só ela! Não… muito mais! O fato é que sugaram uma das maiores empresas petrolíferas do mundo para financiar um projeto de poder. Quem estava por dentro de tudo? Essa criatura incompetente que atende pelo nome de Dilma Rousseff! Claro… Um dos operadores do esquema, Nestor Cerveró, resolveu contar tudo o que sabia a respeito nos últimos dias. Por conta disso, o Partido dos Trabalhadores resolveu agir… Queriam anular a delação premiada.

– Qual foi a peça escolhida para se mover no tabuleiro? Quem? O senador Delcídio do Amaral. A despeito da nota sem vergonha e covarde do partido afirmando que ele agiu pro conta própria, todos sabemos que há um jogador! Há alguém que mexe nas peças… Quem? Quem? O senador Delcídio do Amaral quis apagar os traços de um crime! Não apenas ofereceu recursos financeiros para o operador e sua família, como, em conjunto com um bandido que se denomina advogado, resolveu tramar a fuga desse operador para o exterior! Que audácia! Ainda ofereceu ajuda de ministros do Supremo Tribunal Federal! Percebam a gravidade disso! Talvez essa petulância mafiosa tenha sido o que mais me incomodou. Vocês escutaram a gravação completa desse crime?

F – A melhor fala do dia coube à Ministra Carmem Lúcia. Logo pela manhã, ao decidir pela prisão do petista, ela escancarou: “Na história recente da nossa pátria, houve um momento em que a maioria de nós, brasileiros, acreditou no mote segundo o qual uma esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a Ação Penal 470 e descobrimos que o cinismo tinha vencido aquela esperança. Agora parece se constatar que o escárnio venceu o cinismo. O crime não vencerá a Justiça. Aviso aos navegantes dessas águas turvas de corrupção e das iniquidades: criminosos não passarão a navalha da desfaçatez e da confusão entre imunidade, impunidade e corrupção. Não passarão sobre os juízes e as juízas do Brasil. Não passarão sobre novas esperanças do povo brasileiro, porque a decepção não pode estancar a vontade de acertar no espaço público. Não passarão sobre a Constituição do Brasil.” O recado é claro! Seus petistas canalhas, vocês se elegeram mentindo. Em seguida, usaram uma mentira para consumar um crime. Não satisfeitos com esse crime, foram além! Desafiam toda uma população! Muito pior que isso, mentem dizendo que atuam em nome dela. Isso não é partido. Isso é uma Organização Criminosa.

G – O que se viu nessa quarta-feira foi o pior episódio da Nova República. E não digo isso de maneira leviana. Desde 1988, nunca vimos algo que atirasse na lama as três funções do poder (legislativo, executivo e judiciário) de maneira tão intensa. Outro absurdo? Pela primeira vez, assisti o Senado interpretar a Constituicão sob a luz do regimento interno. A votação que terminou em 52 votos contra 20 jamais deveria ter existido! Não há a menor dúvida de que a votação para manter Delcídio do Amaral preso deveria ser aberta. Será que o senador já conseguiu dormir a essa hora? Vou além: como estará o sono de Luiz Inácio Lula da Silva?

A ameaça da derrota é mais terrível que a própria derrota. Anatoli Karpov

H – No jogo de xadrez, o objetivo é impedir o rei, a principal peça, de se movimentar. Alguém duvida que Lula é principal peça desse jogo? E as peças dele estão sendo tombadas… Uma a uma. Não há uma Dilma Rousseff! Ela sempre foi um fantoche de Luiz Inácio Lula da Silva. E seu governo está por um triz. Para mim, resta claro que há motivos suficientes para o impeachment da presidente. Cito um: o uso de bancos públicos em 2014. A lei veda isso de maneira clara. Todavia, não havia a soma de todos os fatores necessários como expliquei aqui nesse blog. O que mudou?

IA presidente estabeleceu uma meta de superavit primário para 2015. Não restam dúvidas que essa meta não pode ser cumprida diante da realidade econômica. Qual a saída?  Estabelecer uma nova meta. Ela pode fazer isso sozinha? Não. O Congresso precisa aprovar isso. E pergunto: como o Congresso poderá aprovar alguma coisa diante dessa tragédia institucional? Falta menos de um mês para o recesso.

J – Restam à presidente duas opções: tentar aprovar mesmo uma nova meta ou fazer o corte no orçamento para que a meta seja mantida. Por incrível que pareça, a segunda opção parece mais viável. O Palácio do Planalto, não aprovando a nova meta fiscal deste ano, se vê obrigado a contingenciar nada menos do que R$ 100 bilhões até dezembro. Se não fechar as contas do ano em ordem, Dilma Rousseff começa 2016 extremamente vulnerável a um processo de impeachmentPara cumprir a meta atual de superavit primário, de 1,1% do PIB, em apenas um mês, o governo sofreria um verdadeiro “apagão”: teria de dar calote na folha de pagamento e suspender um volume brutal de benefícios sociais. Chamo muita atenção de todos aqui: a crise, que é política, vai chutar a porta do brasileiro! Estamos falando de cortes significativos nos programas sociais. Em pleno dezembro! É natal e ano novo! Isso faz o sapo ferver na panela! Isso muda o jogo!

K – Quer mais? Temos mais… Quem mais foi preso essa semana? Um sujeito que tinha um previlégio único nos oito anos de Governo Luiz Inácio Lula da Silva: José Carlos Bumlai. Havia uma foto dele na entrada da sede do poder executivo para que não impedissem sua entrada. Um cidadão com passe livre. De passe livre ao cárcere. E dizem que vai dar com a língua nos dentes… Contará como ajudou o PT a fazer muitas mutretas para ficar no poder. Como há empresários nesse país envolvidos com essa legenda! Tudo isso contou com empréstimos robustos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Novamente, o interesse público servindo ao interesse privado.

LNão bastassem as prisões, há algo que considero o fator definitivo rumo ao movimento final: a revelação da ausência de poder. Parece até coisa simples. Não é. Na votação pra livrar Delcídio do Amaral da prisão, quando o PT precisou contar com seus aliados para não perder uma peça importante do tabuleiro, apenas nove dos seus onze senadores permaneceram leais. Leram bem? Não foram todos os senadores petistas que ficaram ao lado do partido! Dois desertaram. E fora do partido, apenas quatro senadores se prontificaram a ajudar. 13, esse número simbólico, enfrentaram 59! O PMDB, principal aliado petista, pulou fora! E sem fazer cerimônia! A maré baixou e revelou alguém nu! Esse é o principal ponto desse texto. Todos desconfiavam que esse governo não tinha mais sustentação política. Desconfiança não move a política. Os fatos movem. O fato é que não há mais base política no Senado da República, Acabou por lá! Dos 81 votos, o PT possui pouco mais que os seus próprios. Que solidão!

No xadrez, o vencedor é quem comete o penúltimo erro. Savielly Tartakower

M – O Senado, contudo, todos sabemos, é responsável apenas pelo julgamento de um processo de impeachment. Quem autoriza o processo? A Câmara dos Deputados… Com quantos votos? 342! Esse foi o número que sempre apresentei para garantir que não haveria impeachment. Se a bagunça ocorreu no Senado, o que mudou na Câmara? O medo, caro leitor e cara leitora. O pânico! A sensação de que o caldo entornou. Se o PMDB do Senado não está mais com o governo e se nenhum partido da base segue fiel por lá, por qual razão deveriam defender o partido na Câmara? Eu estou dizendo que o impeachment vai necessariamente ocorrer? Não. Estou dizendo algo que não dizia antes. Agora, ele é possível. Esses 342 votos podem aparecer. Com um agravante: a deterioração da presidência do Deputado Federal Eduardo Cunha. Ele, assim como a Presidente Dilma Rousseff, apodrece a luz do dia. Perdeu o controle da casa que preside. Conta com aliados cegos pela promessa de um futuro que não virá. Uma gente tola e mesquinha. Todavia, segue como principal entrave e gatilho ao impeachment. Ele pode ser removido ou pode ceder. Depende, como já disse, do PMDB. O PMDB já deu sinais… O pânico pode colaborar.

N – Alguém ouviu a Presidente da República falar algo? Como era mesmo a canção da sua campanha? Falava de certo coração valente, né? Alguém ouviu o ex-presidente falar algo? Quando a principal peça do tabuleiro encontra-se com movimentos limitados, diz-se que o jogo está em xeque. Um movimento que impeça essa peça de se movimentar por completo é o xeque-mate. Será que ele é viável?

0 – As instituições no Brasil seguem funcionando. Não por que o Partido dos Trabalhadores assim deseja, mas por que assim está sendo. Imaginem se um preso resolve abrir o bico? O jogo terminaria? Acho que um depoimento das peças presas nessa semana seria fatal.

P – Ainda, o que aconteceu hoje foi um alerta. O jogo está sendo jogado e quem tentar escapar das regras pode ser derrubado antes mesmo do que possa imaginar. Não vou nem entrar na discussão jurídica. Tudo o que se passou respeitou completamente a Constituição.

Q – Recomendo, no entanto, que ninguém fique aguardando as peças se mexerem sozinhas. Há um caminho para o impeachment, mas ele requer ação estratégica e precisa.

Quem não assume um risco nunca ganhará uma partida. Paul Keres

R – O que fazer? Ora, vamos por partes. A presidente fica em xeque-mate se não conseguir aprovar a nova meta fiscal! Portanto, a oposição deve obstruir todas as sessões. Todas! Na Câmara e no Senado. Na Câmara dos Deputados, a deputada federal Mara Gabrili deu o tom! O plenário deve ser esvaziado na presença do presidente Eduardo Cunha. Se o governo não mudar a meta de superávit, acabou! Trata-se de golpe fatal!

S – E no Senado? É fundamental que se instale o processo de cassação do Senador Delcídio Amaral. Estamos falando de um criminoso! É um caso indefensável. Que o Conselho de Ética da Casa passe a funcionar para analisar seu caso. E que o plenário não funcione! Paralisia do poder legislativo é o caminho!

TNotem que se a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não funcionarem, ou seja, se o Congresso parar de responder, o poder executivo fica travado. Mais do que o xeque, teremos o xeque-mate. O governo federal, sem mudar a meta de superavit, não terá opção! Restaria cortes mortais no orçamento. Suicídio!

U – Falei apenas do mundo político… Basta? Não basta. Eu tenho absoluta certeza que a população exerceu função muito relevante nessa quarta-feira histórica. Nas ruas? Não. Foi através das mídias sociais mesmo. Ficou muito claro que a população acompanhou o desenrolar dos fatos. E pressionou! Isso não pode parar! Seja nas redes ou nas ruas, o povo precisa exercer o seu poder.

V – Somadas essas possibilidades, o xeque-mate (impeachment de Dilma e emparedamento de Lula) pode ocorrer. Notem bem, estou somando fatos complexos: a paralisia do Senado Federal, a paralisia da Câmara dos Deputados, a atuação do poder judiciário, a livre cobertura da imprensa, a colaboração de parceiros do PT e, por fim, mas não menos importante, a participação intensa da população. Não é algo fácil. É meta complexa. Todavia, enfim vejo a probabilidade.

X – Será que o povo brasileiro vai se manifestar? Será que a oposição vai seguir acertando? Será que a situação vai seguir errando? Não sei… Sei que o marasmo que tomava conta desse jogo aguardava algo imponderável. O imponderável ocorreu. Não convém banaliza-lo.

W – Mesmo sem dormir, na manhã desse dia seguinte, vou lecionar direito constitucional. Ainda essa semana, leciono Teoria da Constituição. A matéria se desenvolve no cotidiano. Os alunos me enchem de perguntas. Não tenho a resposta de todas. Uma coisa, no entanto, tenho dito sempre: vale a pena confiar na Constituição. Tudo que ocorreu hoje prova que o Brasil tem instituições que funcionam. É só assim que a democracia tem alguma chance.

Y – Os próximos dias serão importantíssimos. Não será fácil ver as peças se movendo. Será necessário um estômago forte. Contudo, não podemos desanimar. Até por quê não há outra opção. Acho que faço um movimento temerário afirmando que a chance para o impeachment tornou-se viável. Não sou leviano. E espero que isso não seja motivo de desalento… Numa república, não há bem que dure para sempre, nem mal que não se acabe.

Z – Um detalhe muito importante que preciso contar: o tabuleiro que ilustra esse texto foi adquirido em Agra, na Índia, nas proximidades do Taj Mahal. A técnica de manufatura é similar àquela empregada no famoso marco indiano. Incrustam pedras preciosas no mármore com muita habilidade. Ao embarcar para o Brasil, solicitei à atendente da companhia aérea para que eu pudesse transportar o artefato na cabine evitando sua danificação no compartimento de cargas. Ela não me escutou. Despachei a peça com a bagagem. Ao chegar no Brasil, não havia mais tabuleiro. Havia um quebra-cabeças. Tudo foi reduzido a estilhaços. Vendo aquilo quebrado, minha intenção era o descarte. Quando estava para jogar os pedaços no lixo, minha mãe, uma mulher que passou madrugadas em claro bordando vestidos para me criar, disse que não estava reconhecendo o filho. Desde quando, perguntou ela, eu desistia assim fácil das coisas. Ligou para um restaurador. Confesso que fiquei totalmente incrédulo. Os pedaços foram e voltaram refeitos no tabuleiro que segue aqui. Acreditem: o Brasil está despedaçado, mas pode ser consertado. E mais: vai ser consertado. E mais: eu vou ajudar a consertá-lo. Você também pode. Basta querer. Na próxima eleição, faça sua parte. Eu farei a minha.