não vi a rainha, mas encontrei a primeira-ministra
Bati perna ao longo do dia em Edimburgo. A trilha sonora é composta por gaitas de fole. Não fui o único que decidiu passar uma senama na Escócia. Sua Alteza Real, a rainha Elizabeth Alexandra Mary, também está hospedada por aqui (em cômodos mais amplos no Palácio de Holyroodhouse). Você já deve ter ouvido falar na famosa expressão: “a rainha reina, mas não governa”. Ou, quando alguém não manda muito, mas figura a frente de um cargo, logo dizem com ironia que “ele manda tanto quanto a Rainha da Inglaterra”. Bem, isso tudo me remete às aulas de Teoria Geral do Estado. Quando estou em sala de aula com os alunos, meu tema favorito explica os tipos de governo que existem no mundo (um quadro dividido em cinco quadrantes). Não estive com Elizabeth II.. Encontrei quem manda: Nicola Sturgeon.
No final de contas, o valor de um Estado é o valor dos indivíduos que o compõem.
John Stuart Mill
A – Basicamente, podemos dividir os governos em dois tipos: Repúblicas ou Monarquias. No primeiro, você elege o Chefe de Estado e/ou o Chefe de Governo. No segundo não elege o Chefe de Estado (podendo eleger o Chefe de Governo). Complicou? Tanto as repúblicas quanto as monarquias podem ser monocráticas ou dualistas. O que isso quer dizer? Quer dizer que, no primeiro caso, a figura do Chefe de Estado e do Chefe de Governo estão concentradas em uma pessoa. No segundo caso, o chefe de governo é um e o chefe de governo é outro. Com exemplos fica fácil. (Há um exemplo que foge de todo padrão: a Suíca, mas fica para outra postagem…)
B – Vamos ao caso que conhecemos bem: o Brasil. No Brasil, tanto a figura do Chefe de Estado, quanto a figura do Chefe de Governo estão numa mesma pessoa: Dilma Rousseff, a Presidente da… República. O Brasil já foi uma monarquia de 1822 a 1889, com dois monarcas: Dom Pedro I e Dom Pedro II. De lá para cá, a gente elege presidente (menos de 1937 a 1944, no Estado Novo de Getúlio Vargas, e de 1964 a 1984, quando não se tratava de uma democracia, e sim de uma ditadura). Qual a diferença entre Chefe de Estado e Chefe de Governo? Varia… Geralmente, o Chefe de Estado se preocupa com o país “para fora”: representar o Estado internacionalmente, assinar tratados, declarar guerra… Enquanto isso, o Chefe de Governo se preocupa com o Estado “para dentro”: nomear ministros, cuidar do orçamento, deliberar com os demais poderes…
C – O Reino Unido (o nome completo é Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, união política que engloba Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte) é uma monarquia! Sua Chefe de Estado é muito famosa e reina desde 1952 (mais de sessenta anos!) Ou seja, o povo não vota para escolher o Chefe de Estado. (em linguajar jurídico, a gente diz que há vitaliciedade e hereditariedade, ou seja a rainha será rainha enquanto viver e seus descedentes herdarão a coroa quando ela morrer). Todavia, há a figura do Chefe de Governo.
D – Elizabeth II é Chefe de Estado em 32 países: África do Sul, Antígua e Barbuda, Austrália, Bahamas, BarbadosBelize, Canadá, Fiji, Gâmbia, Gana, Granada, Guiana, Ilhas Salomão, Jamaica, Malawi, Malta, Maurícia, Nigéria, Nova Zelândia, Paquistão, Papua-Nova Guiné, Quênia, Reino Unido, Santa Lúcia, São Cristóvão e Nevis, São Vicente e Granadinas, Serra Leoa, Sri Lanka, Tanganica, Trinidad e Tobago, Tuvalu e Uganda.
E – No Reino Unido, temos uma Monarquia Constitucional Parlamentarista (há outros tipos, inclusive onde há a presença de rei e presidente ao mesmo tempo) e, portanto, o poder legislativo é formado por uma casa de representantes. Essa casa pode ser bicameral ou unicameral. O Brasil, pode exemplo, é bicameral, com o Senado e a Câmara. O Reino Unido também. Por aqui, há a Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns. A eleicão se dá apenas para os representantes na Casa dos Comuns sendo eles 650. Sua sede fica no Palácio de Westminster em Londres.
F – Ora, mas se existem 4 países, como pode haver só um parlamento? Explico. Na Irlanda do Norte, de 1921 a 1972, quando foi abolido, exista um parlamento composto com uma câmara baixa de 52 lugares e um Senado com 26 lugares. A Assembléia Nacional do País de Gales possui 60 assentos, sendo 40 eleitos nos distritos e 20 eleitos proporcionalmente pelos seus partidos, e foi criada em 1997 por um ato. No mesmo ano, outro ato criou o Parlamento Escocês.
G – A Escócia possuia um parlamento desde o século XIII que desapareceu em 1707, quando os escoceses foram unificados ao Reino Unido. Em 1997, um referendo definiu que a Escócia deveria voltar com sua representação própria para ter mais autonomia (Willian Wallace feelings…). Em 1998, o parlamento foi criado e, em 1999, os escoceces escolheram seus representantes próprios por eleição direta. Existem 129 cadeiras num modelo unicameral. Os duputados são eleitos para um mandato de 4 anos.
Melhor curvar-se do que quebrar-se.
um provérbio escocês
H – O Brasil discutiu recentemente um novo modelo de escolher seus representantes. Vale um momento de direito constitucional comparado: as 129 cadeiras do parlamento escocês são divididas em dois grupos. 77 deputados são eleitos em distritos, isto é, porções de terra dividas geograficamente no terrítório da Escócia. Neses distritos, quem tem mais voto é eleito, independente da votação do partido. Inclusive, os deputados podem se candidar sem partido. 4 candidatos independentes foram eleitos na última eleição. Um inclusive morreu e seu assento está vazio. Uma vez que ele foi ele foi eleito sem partido, não há quem possa substituí-lo. Outros 52 deputados são eleitos proporcionalmente, assim como funciona no Brasil, com uma diferença. Aqui, diferente do caso brasileiro, se divide o território em 8 partes. Em cada parte são eleitos 7 deputados de acordo com a votação do partido.
I – A arquitetero do edifício sede é um espetáculo a parte. Projetado pelo espanhol Enric Milllares, o prédio relembra barcos atracados num cais. Os elementos pedra, vidro e madeira são perfeitamente harmonizados. E foi nesse espaço que encontrei a deputada Nicola Sturgeon, do Partido Nacionalista Escocês, atualmente ocupante do cargo de primeira-ministra da Escócia. O bate-papo foi rápido, mas muito interessante.
J – A senhora Sturgeon é a primeira mulher a assumir o cargo. Há 49 mulheres entre os 129 parlamentares escoceses. Todos os partidos têm como líder uma mulher. Ela é advogada, formada pela Universidade de Glasgow e, assim como eu, adora direito constitucional. Seu partido, e ela própria, são ardorosos defensores da independência da Escócia do Reino Unido. Isso mesmo! Eles querem eleger se tornar uma República e dar adeus para a rainha.
K – Em 18 de setembro de 2014, os escoseces tiveram de dizer sim ou não para a seguinte pergunta: “A Escócia deve ser um país independente?” 44,7% disseram sim. 55,3% disseram não. E a Escócia não se separou. Pelo menos dessa vez. O Partido Nacionalista Escocês conseguiu eleger 47 dos 129 deputados do Parlamento Escocês. E emplacou 56 deputados no Parlamento do Reino Unido, galgando a terceira posicão na Câmara dos Comuns. O referendo fortaleceu o partido e sua principal líder.
L – A primeira-ministra me disse que se a Escócia não adiquir mais autonomia do governo central, seu partido irá convocar um novo referendo. Eu senti na conversa que essa senhora não está muito a fim de ter a rainha no seu caminho… Candidatíssima!
Whit’s fur ye’ll no go by ye!
um provérbio escocês que afirma que o que está para acontecer, vai acontecer…
M – Comecei o dia bem cedo subindo a Colina Calton de onde vi toda a cidade respirando o ar da manhã. Caminhei muito e muito. Já vi muita coisa. Quando terminar de visitar a cidade, vou postar todas as dicas.
N – Agora, estou digitando esse post apreciando um bom uísque. Se encontrarem muitos erros de digitação, já sabem o motivo. E já sabem o que fazer. Enviem para o meu whatsapp, que eu corrijo.
0 – Apesar de já ser quase nove horas da noite, o sol ainda não se pôs. Estou com fome. Vou me aprontar para comer algo. Amanhã vai ser outro dia produtivo.