na Argentina, uma encruzilhada (no Brasil, uma palhaçada)

Estou em Buenos Aires, capital da República Argentina. Passarei o final de semana aqui com outros 23 (!) amigos. Viemos celebrar o fato de que um entre nós vai realizar enfim seu matrimônio (evento também conhecido como despedida de solteiro). Se eu contabilizar quantas vezes estou sendo padrinho de casamento nesse ano, começo a imaginar que já está chegando a minha hora também… Enquanto isso não acontece, debruço-me a observar nossa América Latina! Nessa manhã, ao abrir o jornal, vi que Fidel Castro, Evo Morales e Nicolás Maduro estavam comemorando o aniversário do comandante cubano… Poderia falar também de Cuba, da Venezuela e da Bolívia, mas vou me ater aos vizinhos argentinos desta vez.

Que se pierdan cien gobiernos, pero que se salven los principios. Hipólito Yrigoyen

A – Entender a política latino-americana não é tarefa fácil. De tudo que li a respeito, gosto muito de um livro chamado “Por que as nações fracassam”, obra de Daron Acemoglu e James Robinson, professores do MIT. Os autores não tratam apenas da América Latina, mas do planeta como um todo. O segredo de nações consideradas civilizadas e desenvolvidas repousa na solidez das instituições. E as instituições latino-americanas possuem raízes num porcesso colonizatório de deixou marcas profundas. Eu vou mencionar o Brasil, mas quero destacar o período eleitoral que vive a Argentina.

B – No último domingo, dia nove de agosto de 2015, realizaram-se as prévias para as eleições gerais argentinas. Vamos com calma! Precisamos de um pouco de direito constitucional comparada antes de seguir. No Brasil, não existem prévias, logo, convém demonstrar o que há de parecido e de diferente entre os dois sistemas políticos.

C – O Brasil é uma República Federativa com 26 Estados Federados e um Distrito Federal, Brasília. A Argentina é uma República Constitucional com 23 províncias e uma cidade autônoma, Buenos Aires. No Brasil, as pessoas votam diretamente para presidente e vice-presidente, que exercem ao mesmo tempo a chefia de governo e a chefia de estado por quatro anos com direito a uma reeleição. Na Argentina também. O Brasil é presidido por uma mulher no segundo mandato, Dilma Rousseff. A Argentina também, Cristina Kirchner. No Brasil, o poder legislativo é exercido pelo Congresso Nacional bicameral, composto por um Senado com 81 membros e uma Câmara de Deputados com 513 membros. Na Argentina, o poder legislativo é exercido pelo Congresso Nacional bicameral, composto por um Senado com 72 membros e uma Câmara de Deputados com 257 membros. Somos quase hermanos no sistema político! 

D – Há, contudo, algumas diferenças. Existem, por exemplo, modos distintos de se criar partidos. As legendas podem ser, inclusive, municipais apenas, sem necessariamente abranger todo o território nacional. Falarei sobre isso amanhã. Ainda sobre partidos, ocorre algo muito interessante, que poderia inspirar o Brasil! Vou explicar com um exemplo. O Partido da Social Democracia Brasileira é patético sob vários aspectos. Um deles é a democracia interna que deveria ser exemplar, até pelo nome da legenda, mas sequer existe. A gente já sabe que Aécio Neves, Geraldo Alckmin e José Serra (devem existir outros) querem ser candidatos a presidente em 2018. Todavia, os filiados no PSDB não votam para definir a escolha. Os pré-candidatos travam uma luta silenciosa para ver qual vai ser mais prejudicado pelo outro quando um finalmente conseguir ser candidato. Os tucanos conseguem ser um coletivo de inimigos íntimos. Aqui na Argentina é diferente!

E – Obviamente há disputas internas nos partidos argentinos. Só que aqui, antes das eleições presidenciais propriamente ditas, existem eleições presidenciais primárias abertas, obrigatórias e simultâneas (PASO). Todas as forças políticas com candidatos a presidente devem participar, mesmo as que possuam apenas um. Vamos imaginar algo assim no Brasil. Antes de votar num candidato tucano (escolhido sem que se soubsesse como), todos (aqueles que já pretendessem votar no PSDB) escolheriam qual candidato deveria disputar. Os cidadãos argentinos de 18 a 70 anos têm a obrigação de votar nas prévias. Cada eleitor só pode participar nas primárias de uma força política (claro!) As prévias foram concebidas para democratizar a vida interna dos partidos mas, na realidade, também se tornaram numa espécia de turno antecipado das eleições que ocorrerão em 25 de outubro de 2015.

F – As eleições primárias funcionam como uma grande pesquisa de opinião pública que influencia as expectativas dos eleitores para as eleições de outubro. A experiência mostra que os candidatos que terminem bem posicionados nas PASO obtem ainda mais votos nas eleições diretas. E aqueles que vão mal nas primárias terminam pior em outubro. Além disso, as coalizões que obtem menos de 1,5% dos votos nas primárias não podem participar das eleições gerais. Imaginem que maravilha isso no Brasil! Seriamos poupados de aparelhos excretores sendo citados em debates de televisão, dentre outras perdas de tempo. As prévias cumprem também um papel de sarrafo eleitoral.

G – Os 32.037.323 argentinos com direito a voto são obrigados por lei a ir às urnas, o que, somado a um sistema de votação arcaico, com cédulas enormes e complexas –de até 1,20 metros– provoca enormes filas em todos os colégios. Votar, sobretudo nos arredores de Buenos Aires, inundados depois de dias de uma chuva torrencial, foi uma verdadeira aventura. Houve denúncias de que as cédulas estavam sendo roubadas em muitas escolas.

Uma eleição é feita para corrigir o erro da eleição anterior, mesmo que o agrave. Carlos Drummond de Andrade

H – E qual é o tabuleiro de candidatos na Argentina? Começemos pela situação. A coligação kirchnerista Frente para a Vitória (FPV), encabeçada pelo Partido Justicialista (PJ), tem como único candidato o governador da província de Buenos Aires, Daniel Scioli. Esse é o candidato de Cristina Kirchner. Acho isso curioso… Daniel Scioli é o menos kirchnerista dos sete peronistas que até recentemente mantinham suas candidaturas, mas a presidente, Cristina Kirchner, mandou que todos os outros retirassem suas candidaturas para concentrar o voto nele, o mais bem colocado nas pesquisas. Trata-se de um ex-piloto de lanchas que começou na política no governo do peronista Carlos Menem (1989-1999).

I – A principal aliança da oposição se chama Mudemos, na qual competiam três candidatos: o prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, do conservador Proposta Republicana (PRO); o senador Ernesto Sanz, da socialdemocrata União Cívica Radical (UCR) e a deputada Elisa Carrió, da centrista Coalizão Cívica. Mauricio Macri é o filho de um importante empresário. Trabalhou com seu pai até que, na crise argentina de 2001, começou aos poucos a ingressar na política. Fundou seu partido, foi deputado e é prefeito de Buenos Aires, mas também se tornou popular como presidente do clube de futebol Boca Juniors nos 12 anos de maior sucesso de sua história (1995-2007). A política e o futebol também se misturam por aqui…

J – Existe ainda uma terceira via: Unidos por uma Nova Argentina (UNA), na qual competem os peronistas dissidentes Sergio Massa, deputado, e José Manuel de la Sota, governador de Córdoba.

K – A aliança Progressistas apresentou como única candidata Margarita Stolbizer. A trotskista (isso também ainda existe aqui) Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT), concorreu com Jorge Altamira e o deputado Nicolás del Caño. Por fim, o Compromisso Federal, apresentou o peronista opositor Adolfo Rodríguez Saá, senador e ex-presidente argentino (2001).

L – Abertas as urnas, Daniel Scioli, o candidato da Frente para a Vitória, com apoio de Cristina Kirchner, obteve 37,7% dos votos. Mauricio Macri, da coligação Mudemos, obteve 30,8% dos votos. O partido peronista de oposição, pelo qual concorrem Sergio Massa e José Manuel de la Sota, somou 20,7%. A população argentina está dividida.

A diferença entre um estadista e um demagogo é que este decide pensando nas próximas eleições, enquanto aquele decide pensando nas próximas gerações. Winston Churchill

M – O candidato kirchnerista dedicou sua vitória a Néstor e Cristina Kirchner. Nos últimos anos, Daniel Scioli se distanciou muito claramente dos kirchnerismo e, em especial, da presidente, que o desprezava por considerá-lo muito “à sua direita”, mas na hora da verdade os dois se uniram para juntar seus votos e vencer Mauricio Macri. Agora, Daniel Scioli fala como se fosse um kirchnerista a vida inteira. Seus correligionários insistem que ele só faz isso para conseguir o máximo de votos possível e que, quando tiver poder, fará as coisas a sua maneira, como ele costuma dizer.

N – O principal objetivo de Mauricio Macri era atingir mais de 30% dos votos, torcendo para que Daniel Scioli não passasse de 40%. Com isso, grante-se que haverá segundo turno em outubro. O cálculo é importnate pois todos os votos anti-kirchneristas podem se unir em torno de Mauricio Macri e causar uma reviravolta nas eleições. A Constituição Argentina diz que se um candidato passa de 45% ou fica com 40% e consegue mais de 10 pontos sobre o segundo, é eleito no primeiro turno. O grande temor da oposição é justamente que Daniel Scioli atinja esse objetivo em outubro.

0 – Desde 2003, as eleições argentinas são definidas antes mesmo de começarem. O kirchnerismo venceu em 2007 e em 2011, praticamente sem rival. O jogo está mais equilibrado. Por isso, os 32 milhões de argentinos chamados às urnas nas primárias, que não são decisivas mas dão o tom do pleito de outubro, votaram em um ambiente de grande tensão entre os partidos, que mobilizaram dezenas de milhares de pessoas para controlar as eleições. As denúncias de fraude existem. As pesquisas indicavam que o peronismo de Daniel Scioli se imporia, mas pequenas diferenças de alguns pontos para cima ou para baixo poderiam deixar tudo aberto para as eleições de outubro.

P – O que vai acontcer até outubro eu não sei… Todavia, sei o que ocorre com a Argentina nos últimos tempos. O início do século 20 marcou o auge da Argentina. No final da década de 1920, o país chegou a ser a sexta maior economia do mundo. Era uma potência agrícola e pecuária que abastecia a Europa. A imponência e elegância de Buenos Aires simbolizavam a prosperidade. A década de 1940 marcou a ascensão do peronismo. O presidente Juan Perón presente até hoje no debate político, tentou industrializar o país. Reformas trabalhistas levaram à melhora das condições de vida da nova classe operária. O programa de bem-estar social ficou conhecido como justicialismo. Como boa parte da América do Sul nos anos 1970, a Argentina mergulhou em uma sangrenta ditadura militar. O período de bonança da agricultura havia passado. Sem que a indústria doméstica se consolidasse, houve abertura para importações. Depois dos choques do petróleo, entre 1973 e 1979, vieram a inflação galopante, a disparada da dívida externa e o desemprego. A Guerra das Malvinas, em 1982, ajudou a aumentar os gastos públicos e o descontrole das finanças. Com a volta à democracia, em 1983, o presidente Raúl Alfonsín lançou o Plano Austral, mas não conseguiu domar a inflação e estabilizar a economia. A alta dos preços foi dominada apenas em 1991, já no governo Carlos Menem. Por 10 anos, a lei determinou que um peso valesse o mesmo que um dólar. Houve privatizações em larga escala e abertura da economia. Parecia ser um novo ciclo de riqueza, com altas taxas de crescimento. Todavia, como não havia racionalização dos gastos públicos, o país foi atingido pelas crises asiática e russa, entre 1997 e 1998. As commodities agrícolas enfrentaram ciclo de baixa. A paridade com o dólar facilitou importações e fragilizou a indústria local. Foi plantada a semente dos calotes do século vinte e um. Com gastos descontrolados e economia em recessão, a Argentina chegou a 2001 sem condições de honrar compromissos. E decretou calote de US$ 102 bilhões, o maior da história. O capítulo de 2014 é o calote parcial devido à disputa com fundos que não aceitaram renegociar a dívida de 2001. O país de Cristina Kirchner é declarado em default técnico.

Q – Em menos de cem anos, a Argentina passou da condição de sexta maior economia a um país que não está nem entre os 20 mais ricos, sem credibilidade no mercado financeiro internacional, em recessão, com inflação e pobreza em alta. Que tango!

Se os porcos pudessem votar, o homem com o balde de comida seria eleito sempre, não importa quantos porcos ele já tenha abatido no recinto ao lado. Orson Scott Card

R – A Argentina é logo perto… Para Alzueta, presidente da Câmara de Comércio Argentino-Brasileira, a nova enrascada em que seu país se meteu no episódio dos fundos especulativos não é o resultado do calote mal resolvido de 2001, mas consequência de décadas de má gestão pública de sucessivos governos, despreocupados com o gasto público e déficits. A famigerada má gestão anda dando ares da graça também no Brasil.

S – Populismo, desmandos dos militares no poder, paridade artificial entre peso e dólar, corrupção e mais populismo, enumera Alzueta, somaram-se para levar o país da condição de nação rica a economia em decadência, minada por desconfiança. O mais recente capítulo da longa trama que conduziu a Argentina ao default parcial (falta de pagamento de uma parcela da dívida externa), avalia Alzueta, é a política da presidente Cristina Kirchner de tentar frear a inflação controlando preços, o que enfraqueceu o setor primário, desestimulou investimentos e fez o país passar de exportador a importador de petróleo. E, no Brasil, vimos Dilma Rousseff fazendo o mesmo com os preços dos combustíveis e da energia elétrica.

T – Para Robson Gonçalves, professor de macroeconomia da Fundação Getulio Vargas (FGV), a crise argentina tem raízes no peronismo, fenômeno semelhante à Era Vargas no Brasil, com industrialização induzida pelo Estado. A diferença, pontua, é que o Brasil conseguiu se inserir de forma mais competitiva na economia mundial, enquanto o país vizinho não se modernizou e padeceu pela entrada incompleta e tardia no universo fabril. Assim, não estava preparada para a abertura econômica dos anos 1990, processo que o Brasil atravessou de melhor forma.

U – Alguns economistas afirmam que basta alguém com um pouco de visão para cortar o gasto público e incentivar os investimentos com segurança jurídica para que a Argentina melhore sua situação. Quem será? Eu vou ficar na torcida pela oposição, claro. O governo atual já mostrou que não sabe fazer isso. Não tenho muitas esperanças pois, por aqui, todos os candidatos são variantes do peronismo! O lulismo, ainda bem, não parece que terá vida muito longa no Brasil. É terrivel ver a política dos vivos sendo dominada pela política dos mortos.

V – Não é apenas pela carne, pelo vinho e pelo tango que gosto da Argentina. Acho realmente importante ver vizinhos territoriais fortalecidos. As fronteiras não contém crises. O que ocorrer aqui respinga lá. Ademais, fazemos parte de um mesmo bloco comercial chamado Mercosul. É trágico em muitos aspectos, mas possui avanços. Em síntese, eu torço pelo sucesso das instiuições em qualquer lugar do mundo.

X – Por falar em instituições, volto ao Brasil. A gente está acostumado com a confusão entre partido e governo por toda a América Latina. O caudilhismo, o populismo e personalismo são caracterísiticas muito presentes nessa parte do mundo. Todavia, sempre tendo a enxergar o Brasil num patamar acima. E, para minha tristeza, me deparei com a seguinte notícia sobre uma cena ocorrida em Brasília ontem: o líder da Central Única dos Trabalhadores ameça pegar em armas. A três dias de manifestacões convocadas contra o governo federal, um braço do Partido dos Trabalhadores ocupa o Palácio do Planalto, QUE É PÚBLICO, e discursa num pulpito com o Brasão da República num evento, QUE É PÚBLICO, para dizer que a luta armada é uma opção. Não numa democracia, seu imbecil!

W – Vamos chamar as coisas pelo nome: movimentos sociais uma pinóia! Quem estava naquele prédio governamental eram militantes do PT. O PT faz isso: aparelha até batizado de criança. Parte da crise política que vivemos advém da capacidade do partido de parasitar todas as formas de organização da sociedade brasileira na busca da sua sonah hegenomina totalitária. O evento foi uma palhaçada. Será mesmo essa a prioridade de uma presidente que vê uma crise econômica em escalada? Armar um circo para vociferar contra a constituição em plena sede do poder executivo cujo chefe, ao tomar posse garante justamente defender a… constiuição! Dilma, Dilma… seja mais responsável! Já bastam as acusações de irresponsabilidade no uso do cargo que lhe pesam. E se forem comprovadas, restará o que a constituição prevê. Isso não é golpe, PT. Isso é a lei. Por qual razão o PT pediu o afastamento de todos os presidentes da república desde a redemocratização e agora afirma que isso não é legitimo? Tem gente achando que somos palhaços!

Y – Os militantes gritavam: não vai ter golpe. Não vai. Com certeza, não vai. Dilma, numa tentativa desatratada de imitar Lula, tentou se utilizar de uma metáfora com o futebol. Disse, abre aspas: “Respeite e honre o seu adversário. Se você não respeita o resultado do jogo, você não pode entrar no jogo.” Muito bem, presidente… E se você comete uma falta em campo, você é expulsa. O TSE, O TCU e o Congresso podem erguer o cartão vermelho para a senhora. É simples assim. Isso não é golpe. Isso é jogo.

Z – “Não estou aqui para resolver todos esses problemas este ano. Estou aqui para resolver todos esses problemas e entregar um país muito melhor no dia 31 de dezembro de 2018.” Com essa frase, a presidente finalizou seu discurso aplaudido pela claque paga com o dinheiro público. Presidente, eu torço demais para isso acontecer. Aliás, eu venho apostando com todo mundo que a senhora vai permancer no cargo até o fim do mandato por uma série de fatores. Apostei mesmo! E o número de pessoas que discorda de mim só aumenta… Dilma, você não está facilitando as minhas análises. Eu juro que a cada dia, parece que eu sou o único a não deter a razão. Há pouco tempo, o Brasil era a sexta maior economia do mundo! Espero mesmo que nosso país não siga o caminho da Argentina. Nessa disputa acirrada entre brasileiros e argentinos rumo ao abismo, eu torço que a gente perca, nem que seja por una cabezza!