meu dilema de mazombo (ou minha doença de Nabuco ao ver o PT na televisão)

Volto ao blog. Confesso que estive ausente daqui nas últimas semanas. O objetivo inicial era uma postagem por dia. Ao contrário de Dilma Rousseff, eu estabeleci uma meta. E, na verdade, não a atingi, portanto, não a dobrei. Todavia, pretendo correr atrás do tempo perdido. Deixei muitos rascunhos sobre os últimos dias da minha viagem e a primeira semana no Brasil após um mês na Europa. Prometo que vou atualizar tudo. Hoje, acordei diante do mar! E como isso é bom! Depois de nadar na praia logo pela manhã, caminhei pelos quarteirões cariocas. Gosto muito de observar os nomes das ruas por aqui. Em Belo Horizonte, vivo numa esquina entre as ruas dos Tupis e Rio de Janeiro (a segunda cidade que mais gosto no mundo). Ao contrário da capital mineira, que tem ruas perpendiculares num tabuleiro de xadrez com nomes de Estados Brasileiros e de índios se cruzando, a capital fluminense é mais complexa. As ruas por aqui seguem o desenho da paisagem natural. Há uma via paralela ao Arpoador ligando Copacabana à Ipanema que recebeu o nome de Joaquim Nabuco. É dele que quero tratar.

Sou antes um espectador do meu século do que do meu país. A peça é para mim a civilização e se está representando em todos os teatros da humanidade. Joaquim Nabuco

A – Ao passar pela placa da rua, tive um clique: é isso! Depois de tanto tempo viajando, você retorna ao seu país e estranha algumas coisas. No Brasil, por exemplo, eu não uso relógio no pulso. Hábito de quem vivenciou tantos arrastões onde foi criado. Também não utilizo o celular em público com tanta tranqüilidade… Já tentaram levá-lo umas cinco vezes. Sem êxito. Ao mesmo tempo, coloco o chinelo de dedo no pé e dispenso a camisa, atravessando a rua para ir à areia sem receio de ser julgado como incivilizado. Ainda, gosto de ver a desorganização com que tudo vai alegrando o domingo. Que dualidade é essa? Afinal de contas, onde é meu lugar?

B – Joaquim Nabuco é um dos pensadores que desenhou o Brasil. Ele era pernambucano, advogado e jornalista. Elegeu-se deputado na primeira eleição e perdeu a segunda, ainda no império. Mudou-se para a Europa onde escreveu um grande manifesto contra a escravidão. Ao retornar, tornou-se diplomata e viveu nos Estados Unidos da América até morrer. Seu nome é muito utilizado em ruas, avenidas e praças no Brasil inteiro.

C – Dentre os vários livros que Joaquim Nabuco escreveu, eu prefiro “Minha Formação”. Li duas vezes. O ápice do texto trata do dilema de mazombo. O que é? Uma questão que envolve o descendente de europeu (ou reputado como tal), com um pé no continente europeu e outro pé no continente americano, tentado a fazer uma opção. Qual? Nas palavras do próprio autor: “nós, brasileiros, o mesmo pode-se dizer dos outros povos americanos, pertencermos à America pelo sedimento novo, flutuante do nosso espírito, e à Europa, por suas camadas estratificadas”. Joaquim Nabuco considerava que a cultura americana era menor que a cultura européia. Vale não ser tão duro com essa consideração, para seguir no raciocínio. “Desde que temos a menor cultura, começa o predomínio desatas sobre aquele. A nossa imaginação não pode deixar de ser européia. Ela não para na primeira missa no Brasil, para continuar daí recompondo [apenas] as tradições dos selvagens que guarneciam as nossas praias no momento da descoberta; segue pelas civilizações todas da humanidade, como a dos europeus, com que temos o mesmo fundo comum de língua, religizão, arte, direito e poesia, os mesmos séculos de civilização acumulada, e, portanto, desde que haja um raio de cultura, a mesma imaginação histórica.”

D – Mário de Andrade, outro autor essencial, na busca da identidade nacional, rebatizou o dilema de mazombo como Doença de Nabuco! “A mais terrível das instabilidades”. Longe de ser “rastaqüerismo”, Joaquim Nabuco dizia que “a explicação é mais delicada e mais profunda: é a atração de afinidades esquecidas mas não apagadas, que estão em todos nós, da nossa comum origem européia. A instabilidade a que me refiro provém de que na America falta à paisagem, ¡a vida, ao horizonte, à arquitetura, a tudo que nos cerca, o fundo histórico, a perspectiva humana; e que na Europa falta a pátria, isto é, a forma em que cada um de nós foi vazado ao nascer.”

De um lado do mar, sente-se a ausência do mundo; do outro, a ausência do país.

Joaquim Nabuco

E – O pernambucano não queria dizer que havia duas humanidades. Uma pior e outra melhor. Muito menos dizia que o Brasil seria a primeira entre as duas. Pelo contrário, ele apostava que a humanidade poderia se renovar pelos seus galhos brasileiros.

F – Se não compreendermos o dilema de mazombo, não será possível entender a própria cultura do século XX, momento em que nasci. Tudo que se fez desde a década de 1920 foi tentar criar um tronco próprio deixando de lado as raízes que vinham além mar. Ou seja, toda uma obsessão por carnaval e futebol não são capazes de apagar o nosso passado. Quando miro o oceano, eu tenho uma certeza: ao contrario do que parece, pertencemos aos seus dois lados.

G – Resumo o que foi acima por sentir que pode ter ficado complexo: quando eu viajo, sinto saudade do que é bom no Brasil, quando estou aqui, sinto saudade do que é bom por lá. E quem não?

H – De tudo que mais me fez sentir no Brasil na última semana, destaco a estridente manifestação na noite de quinta-feira, dia 6 de agosto de 2015. O Partido dos Trabalhadores levou ao ar seu programa de televisão. Joaquim Nabuco já alertava no século XIX dos riscos do patrimonialismo. Os petistas não lêem Joaquim Nabuco. O Estado Brasileiro foi de tal forma sugado por essa legenda, que o povo tão acostumado a manter-se servil (Joaquim Nabuco também previu os feitos da escravidão para o futuro) resolveu se manifestar.

I – Eu fiquei impressionado com aquilo. Que coisa de mau gosto! Apos doze anos no poder, o PT segueiu fiel a sua estratégia desconsiderando os malefícios que isso já causou ao Brasil.

J – Surge um petista na tela e dá aos brasileiros duas opções: ou otimismo ou o pessimismo! Ou seja, a crise é sentida por todos, mas o PT pede a todo mundo o seguinte: esquece isso, gente! Vamos ser positivos!

K – Em seguida, o PT afirma que a crise mundial começou em 2008, mas o partido conseguiu segura-la até 2015. Mentira… A crise vem sendo maquiada e não resolvida desde 2008.

L – Para mim, o maior absurdo do programa é dizer que a crise política é invenção da oposição! A crise política é algo totalmente gestado com o PT, pelo PT e para o PT. Os petistas tentaram jogar o PMDB para escanteio. Isso aumentou um problema que começou quando a operação Lava-Jato descortinou mais uma porção de esquemas de corrupção dos petistas. Ou seja, o PT pariu a crise e quer que a oposiçnao a embale.

M – O PT repete e repete que Dilma foi eleita. Oras, claro que foi! E quem disse que o fato de ser eleito confere ao político o direito de fazer tudo? Para isso há a lei…

N – Em seguida, o partido que gosta de dizer que a esperança vence o medo, apela ao medo! O PT não tem mais nada a oferecer ao futuro, portanto se apega ao passado. A despeito de todos os dados negativos, o PT diz que vai tudo bem. Ainda, começa a falar do que fez…

0 – Segue uma surra de animações e números… A gente ouviu milhões, bilhões, trilhões… Parece até o que foi roubado da Petrobras. Aliás, não vi uma palavra sobre a Petrobras no programa.

P – Um ponto alto da patifaria é ver José de Abreu perguntando ao telespectador o seguinte: não é melhor a gente acertar em cheio, tentando fazer o bem, do que errar feio fazendo o mal? Meu caro, de boas intenções o inferno está repleto!

Q – O PT mostra a oposição e diz para a gente não se deixar enganar por quem só pensa em si mesmo. Claro, Lula é um sujeito que nunca fez isso…

R – Por falar em Lula, quando ele apareceu o carinho da torcida nas janelas tingiu um ápice. Não consegui ouvir o que ele falou, mas posso deduzir. O PT é o máximo, o resto é uma porcaria.

S – Depois de Lula, veio sua criatura, por que vale lembrar sempre que Dilma Rousseff é criação de Lula e debito na conta dele o fato de estarmos sendo presididos pela pior pessoa que já ocupou essa cargo em nossa história. Também não ouvi o que ela falou, mas é possível deduzir, pois as panelas não deixaram…

T – Por falar em panelas, o fim do programa zombou das manifestações. Disse que ninguém encheu mais as panelas com comida do que os próprios petistas… Não foi só arroz e feijão que o PT colocou nas panelas não! Eles afirmam que também encheram a caçarola de esperança! O que ee muito curioso é que o PT fala em esperança, mas usa o medo! É quase como se dissessem o seguinte. Ou você segue com a gente, ou a comida vai sair do seu prato… O PT não tem jeito. E Regina Duarte estava certa. Convém ter medo.

U – Sigo olhando o mar. E tenho esperança. Tudo de bom que vi na minha viagem serve para nos inspirar. Essas coisa de que o Brasil vai ser sempre Brasil (no que é bom e no que é ruim) é conversa. O dilema de mazombo pode nos salvar!

V – Sinto tanta saudade do que vejo nas minhas viagens que quero trazer tudo para cá… Eles fazem isso. Notem a Alemanha e o seu futebol.

X – O mundo é uma coisa só. É fundamental viajar e colher o que há de bom em todos os lugares. Essas sementes podem vingar por aqui. Em se plantando, tudo dá.

W – Não sei quando será minha próxima travessia do oceano, mas já estou querendo fazê-la. E quando estiver do lado de lá, mesmo com o PT, ficarei doido para voltar. E isso nunca vai ter fim.