Falta atendimento às pessoas que vivem em situação de rua
A cena se repete praticamente por todo o hipercentro de Belo Horizonte e demonstra que o problema social das pessoas em situação de rua é cada vez maior: entre 17h e 18h, as marquises de imóveis vazios começam a ser ocupadas por homens e mulheres das mais diversas faixas etárias, que estendem na calçada lençóis, cobertores e o que têm à mão e se preparam para passar a noite.
Primeiro, é necessário dizer que boa parcela das pessoas que vivem nas ruas não corresponde ao estereótipo criado por quem defende a higienização da cidade e afirma que o contingente da população de rua é formado por dependentes químicos, fugitivos da Justiça e portadores de algum tipo de sofrimento mental. Essa visão preconceituosa não se sustenta na realidade.
As ruas de Belo Horizonte também servem de moradia a quem trabalha e não consegue pagar aluguel, pessoas abandonadas pela família, mulheres que fogem da violência doméstica, idosos que não têm como viver dignamente com uma aposentadoria insignificante. Enfim, as vias da capital são a única alternativa de cidadãos e cidadãs que deveriam receber apoio do Estado, mas que são ignorados pelo poder público.
Não se sabe ao certo quantas pessoas em situação de rua estão hoje no hipercentro e em outras regiões da cidade. Este é o primeiro e grande problema para definir como será feito o acolhimento de quem vive nas vias da cidade. A prefeitura informou, no ano passado, que estimava esse número em 4.500 pessoas. Entretanto, a própria administração municipal admitiu à imprensa que foram feitas 17 mil abordagens de janeiro a agosto de 2018.
Tal inconsistência na informação só comprova que esse número tem aumentado de maneira vertiginosa e o município não consegue devolver a essas pessoas a dignidade que lhes cabe por direito. Há dois anos, como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor da Câmara Municipal, visitei os abrigos destinados ao acolhimento da população de rua e pude constatar que as condições desses locais são inadequadas.
Além de não conseguir fazer um censo confiável da população em situação de rua, a prefeitura age com lentidão na ampliação do atendimento a essas pessoas. Ainda em 2018, foi anunciada a criação de 90 vagas na rede de acolhimento. Desse total, 40 se destinam a mulheres que acabaram de ter filhos. Diante da dimensão do problema, é uma ampliação de efeitos muito limitada, que não trará nenhuma modificação na vida de quem enfrenta essa situação.
O trabalho para devolver a essas pessoas condições dignas de vida não pode ser tão limitado nem sofrer interrupções. A administração municipal, que claramente não tem recursos para cumprir essa tarefa, tem o dever de buscar parcerias com organizações não governamentais e contar com o apoio da iniciativa privada. Só ações conjuntas e abrangentes serão capazes de reduzir as proporções do problema. De nada adianta o município atuar de forma isolada. Não surte efeito.
Como morador do hipercentro desde o nascimento, testemunhei ao longo dos anos a falta de políticas públicas que ofereçam oportunidade real para que as pessoas deixem de morar nas ruas. É pela falta de ação de quem tem esse dever que a situação ficou insustentável. Não tenho solução pronta a oferecer, mas estou certo de que o primeiro passo nesse sentido é tornar prioridade o atendimento a essas pessoas e canalizar todos os esforços para esse objetivo.
Publicado em Jornal O Tempo em 22/03/2019.