aqui tem mar, mas eles preferem mesmo um bar
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explicando os brasileiros para os irlandeses (e o maldito sete a um)

Nessa quarta-feira, 8 de julho de 2015, celebramos um dia histórico para o Brasil. Eu estava lá. Foi no Mineirão, estádio da minha cidade, a querida Belo Horizonte… Há exato um ano, a Seleção Brasileira de Futebol perdia a semi-final da Copa do Mundo de 2014. Quer dizer: não foi apenas uma derrota. Foi um gol atrás do outro até o placar mostrar sete. Em casa! Seria melhor esquecer, mas não foi possível… Aqui em Dublin, fui a um bar para apreciar um pint de cerveja. Os irlandeses puxaram papo no balcão e perguntaram de onde eu era. Não tardou para surgir a seguinte pergunta: “Você já se recuperou do sete a um?” O sete a um foi pouco… Também tive que explicar o que acontece no Brasil atualmente. Segue parcela da conversa.

A seleção brasileira é uma seleção sem vícios; não fuma, não bebe e não joga. José Simão

AOs irladeses gostam de cerveja. Os irlandeses gostam de futebol. Partindo dessas duas afirmações, nota-se que nossos povos possuem muito em comum. O “sete a um” é algo que eles compreendem. A Irlanda é um país cuja identidade vem sendo construída há séculos e, portanto, ao contrário do Brasil, muitos são os elementos que fazem esse povo se identificar.

B – O futebol faz o Brasil se identificar de forma nacional. Não é o único elemento, mas considerando nossos poucos anos de vida, trata-se de um instrumento vultoso de conexão entre os brasileiros. As cenas dos torcedores coloridos de verde e amarelo cantando o hino com punho erguido, mesmo quando a música terminava, podem ser consideradas representações da nacionalidade. Portanto, para ser bem breve e superficial, aquela derrota não era apenas um jogo. Tratava-se de um forte impacto naquilo que chamamos de identidade nacional. Já escreveram muito a respeito… Nossa pátria, sem sombra de dúvidas, usa chuteiras.

C – E há mais… Aquele evento não foi abraçado no primeiro dia! Em 2013, o país lotou as ruas para protestar. A Copa, diziam, seria uma tragédia. Muita gente não deu bola e sequer comprou ingressos. E, de repente, como coisas assim costumam acontecer, o evento foi ganhando forma. O time brasileiro começou a criar a fé nas pessoas de que poderia ser campeão, as cidades viraram uma festa e rapidamente um catarse social enebriou o Brasil! Ou seja, depois de torcer o nariz, estavamos todos alí dizendo que Copa era algo para se ter todo ano. E…

D – Gol da Alemanha! 

E – No primeiro gol, todo mundo olhou para quem estava ao lado e disse que iríamos nos recuperar…

FGol da Alemanha!

G – No segundo gol, a preocupação aumentou, mas vocês se conhecem tão bem quanto eu. Com um acréscimo. Eu sou atleticano, logo acredito.

Brasil, condenado à esperança. Millôr Fernandes

H – Não foi apenas o sete a um! Houve aquela abertura da Copa! Houve o Fuleco! Houve a overdose de Neymar! Houve a presidente se rendendo ao “É tois”! Houve o gol contra abrindo a copa!  Houve um viaduto desabando na minha cidade! Houve o choro das crianças ao meu redor no “Mineirazzo”! Os irlandeses riram bastante da minha análise histórica-social do que o futebol representa para nós. Acho que o sotaque dá certo tom de comédia também. O papo seguiu e eles perguntaram sobre o que mais ocorria no país. A Irlanda sofreu muito com a crise de de 2008. Queriam saber como estava nosso cenário político econômico. O futebol é algo fácil de se explicar. A política brasileira não.

I – Enquanto professor, gosto de entender qual tema o aluno domina bem. Se ele não compreender a matéria, faço uma analogia com esse primeiro assunto e o segundo assunto fica portanto mais claro. Pedi para que me explicassem como funcionava o Estado Irlândes. Compartilho com vocês. A Irlanda é vizinha do Reino Unido. Na mesma ilha, há parcela desse outro Estado, a Irlanda do Norte. Apesar da proximidade geográfica, por aqui não há monarquia. A Irlanda é uma república. O poder legislativo aqui é bicameral como no Brasil. Se nós temos o Congresso Nacional, eles tem a Oireachtas. Aqui também existe a Câmara dos Deputados (Dáil Éireann) e o Senado (Seanad Éireann). Os 166 deputados são eleitos pelo sistema proporcional que também existe no Brasil. Os 60 senadores não representam as unidades federadas. Ao contrário do Brasil, a Irlanda não é uma federação! 11 senadores são nomeados pelo primeiro-ministro (Taoiseach). Aliás, a república irlandesa é dualista, com Chefe de Estado (Presidente) eleito pelo povo e Chefe de Governo (Primeiro-Ministro) indicado pelo presidente. Além dos 11 senadores indicados, 43 são eleitos pela Câmara dos Deputados para representar setores da sociedade. E, vejam que curioso, 6 senadores são eleitos pelas universidades! O número máximo de minsitros é 15! Voltemos, portanto, ao Brasil, onde existem 39…

J – Gosto muito de direito constitucional comparado! Expliquei para eles como estamos estruturados no Brasil. E seguem algumas análises sobretudo dos útlimos dois dias quando senti a temperatura subindo… Menos do que os jornalistas querem e mais do que o governo deseja.

K – A política brasileira vive uma turbulência com três passos:

L – Primeiro: o Partidos dos Trabalhadores, no poder desde 2003, tropeçou no Mensalão em 2005 e dele não conseguiu mais se desvincular. O partido que se dizia diferente, se mostrou igual (ou pior). O escâdalo destruiu o núcleo da legenda e aniquilou sua frente em São Paulo. O sucessor natural de Lula era Dirceu. Uma remóta possibilidade era Palocci. Ambos ficaram enrolados. Lula optou por transformar em presidente uma pessoa sem a menor condição para exercer o cargo. Isso é algo comprovado. E não é apenas ausência de habilidade política. Estamos falando de alguém desqualificada tecnicamente também.

M – Segundo: O segundo mandato de Lula não foi bom para a economia. Alguns erros foram cometidos, a despeito dos méritos do seu governo. Dilma aprofundou a barbeiragem. E muito. A tal nova matriz econômica se comprovou um desastre completo. E, diante da disputa eleitoral apertada em 2014, o orçamento foi vítima da ambição política. De forma completamente irresponsável, ajustes que eram necessários foram adiados e mudanças que precisavam ocorrer não aconteceram. Desenhou-se, dessa forma, um cenário econômico terrível. Uma vez reeleita, a presidente precisou indicar para Minsitro da Fazenda alguém que o PT tem horror. Todavia, ela se tornou uma refém da debilidade econômica do país. Hoje, o governo tem apenas duas colunas o sustentando. Uma é Joaquim Levy. E a outra?

N – Terceiro: O PMDB. A aliança entre PT e PMDB nunca foi sincera… O PMDB é algo muito difícil de se explicar para quem não vive no Brasil. Criado para se opor a ditadura, a legenda é como a própria Arca de Noé, sem Noé e sem a arca. Ou seja, há de tudo. Todavia, essa gororoba tem coesão. Parece que não, mas tem. É como um vírus que deseja antes de tudo, sua sobrevivência. Ainda que a custo de matar o hospedeiro. O plano do PT era aniquilar esse vírus. Nas eleições de 2014, o governo liberou todas as vantagens para os parlamentares petistas e escondeu o ouro dos seus aliados. A meta era fazer uma enorme bancada do PT e diminuir o poder do PMDB. Além de suficar o partido eliminando recursos, o projeto ainda envolvia a criação de outras legendas para minguar seu principal e maior aliado. O PT deseja a hegemonia e ponto. Todavia, havia uma pedra no meio do caminho. E essa pedra se chama Eduardo Cunha, deputado federal pelo Rio de Janeiro. Qualquer dia eu escrevo aqui sobre ele, mas por hora basta dizer que o governo errou profundamente ao não aceitar sua candidarura a presidência da Câmara dos Deputados e ganhou um adversário por lá. Imaginou que ao menos o Presidente do Senado seria seu aliado, mas o Senador Renan Calheiros, do PMDB das Alagoas, virou as costas para o PT também.

0 – Ou seja, um: temos uma presidente incompetente; dois: diante de uma crise econômica grave; e três: uma crise política de governabilidade se soma aos fatores. A grosso modo, podemos dizer que tudo se dá em muros internos. Ou seja, é o próprio governo que está desmoronando. A velocidade ganha ritmo com o avançar das atividades da Polícia Federal e Justiça Federal na operação lava-jato. O Tribunal de Contas da União também joga lenha na fogueira ao demosntrar que as lambaças admisnistrativas de 2014 podem não ter sido apenas má gestão, mas crime propriamente dito.

P – Os irlandeses me perguntam sobre a oposição. Eu explico que o Brasil não é um país acostumado a ter oposicão. Não parece muito vantajoso aos políticos serem autênticos e convictos. A grande parcela, ainda que faça parte do poder legislativo, prefere se aliar ao governo para obter vantagens. Há, entre os 32 partidos, alguns que se consideram oposção. O maior deles é o PSDB.

Q – Expliquei que fui filiado ao PSDB. O partido realizou sua convenção artificial nesse fim de semana. E por qual razão artifical? Não existem de fato diretórios estaduais, sequer municipais, com organização, institucionalidade e democracia interna. Geralmente, uma lista de alguns militantes é considerada o conjunto de delegados e eles seguem para a capital do Brasil para figurar. Uma legenda que sequer consegue organizar uma eleição para o seguimento de juventude, não pode ser chamada de partido político. Como foi no conjunto dessas ilhas onde estou que surgiu a primeria noção de partido político, eles me entenderam muito bem. O PSDB é mais um cartório onde existem figuras políticas com expressão. Uma deles concorreu com a atual presidente e quase ganhou. Essa é a maior (se não única) força do PSDB: ter entre seus filiados alguém que disputou uma eleição presidencial e obeteve 51 milhões de votos. Ao mesmo tempo, é a principal fraqueza! Além do mineiro, há outros dois tucanos (símbolo do partido e da deliciosa cerveja que eu tomava, a Guiness) que também foram candidatos e desejam ser novmente. E com o partido não é partido, tais aves recorrem aos métodos celtas de batalha para ver quem será o candidato em 2018. Houvesse prévias de fato, legenda de fato, filiados de fato, tudo seria a coisa mais normal do mundo. Ocorre aqui na Irlanda e em várias outras democracias. O fato é que o PSDB falou! E essa fala teve desdobramentos…

R – Fernando Henrique Cardoso, a principal voz do partido, afirmou que os tucanos estão prontos. Ele sabe que não estão, mas disse isso mesmo assim. Por sua vez, Aécio Neves, reeleito para o mandato de presidente do PSDB até 2017, disse que a presidente não vai concluir o mandato. Os dois paulistas xingaram o PT. Ora, se Dilma não vai terminar o mandato e se o PSDB está pronto, logo, os tucanos cogitam a hipótese real de não esperar 2018.

S – Os tucanos falaram no domingo e segunda-feira foi dia do PT retrucar. A presidente deu uma entrevista que literalmente acusou o golpe. “Eu não vou cair!”, disse a presidente ao jornal Folha de S. Paulo. Foi além: chamou o PSDB de golpista. O PT, já disse, exerce a máxima leninista: “Acuse-os do que você faz. Chame-os do que você é.” O PT gritou Fora Sarney e pediu o afastamento daquele presidente. O PT gritou Fora Collor e pediu o afastamento daquele presidente (conseguiu e, hoje, são aliados). O PT gritou Fora Itamar e pediu o afastamento daquele presidente. O PT gritou Fora FHC e pediu o afastamento daquele presidente. O PT era golpista?

T – O PT não era golpista. O PT exercia o seu direito de fazer oposição. E conseguiu eventualmente afastar um presidente quando esse perdeu sua sustentação no poder legislativo envolto em denuncias de corrupção. Dilma Rousseff, assim como Fernando Collor, é uma presidente sem sustentação no poder legislativo envolta em denúncias de corrupção.

U – O PSDB falou, o PT repliciou e o PSDB treplicou. Aécio Neves subiu à tribuna do Senado e disse que não se trata de golpe. A verdade é que o PSDB não pode fazer muito… A crise é intramuros! Envolve o PT e o PMDB. O PSDB é expectador. Claro, não faz mal é jogar para sua torcida.

V – O fato é que o governo está completamente debilitado e sem acão. Lula não pode fazer muito. Torce para que essa lambança não comprometa sua candidatura em 2018. Acho que é tarde demais para essa vontade. A lava-jato é irreversível. As delações premiadas, que a presidente resolveu não reconhecer dias atrás, quando preferiu saudar a mandioca, entregam o esquema que financiou sua reeleição. A AGU terá de defender o governo das pedalas fiscais de 2014… Ou seja, o Brasil, respondo a pergunta dos irlandeses, não vai bem.

X – O que vai acontecer? Todo mundo pergunta. Na minha opinão, continua sendo vantajoso para o PMDB estar no governo. Se a presidente for removida do cargo nos dois primeiros anos de mandato, o vice-presidente assume. Isso se o motivo pelo qual se dê afastamento também não o comprometer. Eu não acho que o PMDB deseja essa turbulência. Acho que o PMDB deseja um hospedeiro debilitado para poder obter mais vantagens sem muitas dificuldades.

W – Por mais que se fale de impeachment, repito o que digo na sala de aula: não basta o fato jurídico. É necessária uma confluência de fatores políticos. Essa confluência ainda não existe! Parece que ela existe para quem lê jornal o tempo todo e se informa sempre. Todavia, há um mundo que segue lá fora… E esse mundo está com o orçamento apertado, mas segue vivendo sua vida sem enconstar muito no mundo político.

Y – Ainda haverá muita pirotecnia. O PSDB vai acusar o PT e o PT vai posar de vítima como faz sempre. O PT joga sempre com a dicotomia e com o maniqueísmo. O discurso de golpe é ótimo para o PT e, por isso, eles fazem isso. O PSDB precisa escolher bem as palavras para não virar pato ao invés de tucano e cair nessa.

Z – Ainda acho que a presidente não cai. Chegaremos em 2018 com ela desaparecida, mas ainda no poder. Na verdade, há um movimento de placas tectônicas de proporções enormes em curso. Não é apenas o PT que está em risco. O PSDB também. E todo um sitema partidário que vigora desde a fundação da nova república. Posso estar errado, mas acho que o Brasil depende pouco do que petistas e tucanos desejam. De volta para o futuro, quem está com as cartas na mão é o PMDB. Os irlandeses acreditam muito na sorte. E acham que nem todos os trevos de quatro folhas do país vão conseguir nos ajudar.