carros fora do centro (de Dublin)
Em junho, a Câmara de Vereadores (City Council) de Dublin revelou um plano muito ambicioso: banir os carros do centro congestionado da cidade até 2017! O projeto é bem elaborado e confesso que gastei a manhã dessa terça-feira lendo-o enquanto eu tomava meu café da manhã. Você pode acessá-lo aqui: Dublin City Center Transport Study. Após encher a pança e fazer a barba (numa das centenas de barbearias da cidade), adquiri uma bicileta compartilhada e fui experimentar as vias da cidade.
O trânsito é, de fato, uma novela. O ruim é que todo dia repete o mesmo capítulo. Josemar Bosi
A – Dublin tem uma meta: quer se transformar na capital européia mais amigável para pedestres. Eu gosto disso: metas! Não da para evoluir nessa vida sem elas. Você pode fazer como eu e ler a notícia no The Irish Times. Isso pode assutar muita gente! Como seria minha vida sem um carro? (eu que nunca tive um, nem quero, acho perfeitamente possível…)
B – A proposta, orçada em 150 milhões de euros, pretende eliminar os nós no trânsito num prazo de dois anos. Vai haver uma consulta pública no próximo dia 16 de julho de 2015 para que as maiores conexões sejam transformadas em vias exclusivas de pedestres, enquanto outras vias serjam exclusivas para transporte público e trânsito local.
C – Essa é uma atitude corajosa para uma cidade cuja reputação não é assim tão boa! Dublin figura na lista das dez cidades mais congestionadas do mundo, ainda que ocupe o último lugar entre elas! (1 – Moscou: 74%; 2 – Istanbul: 62%; 3 – Rio de Janeiro: 55%; 4 – Cidade do México: 54%; 5 – São Paulo: 46%; 6 – Palermo: 39%; 7 – Warsóvia: 39%; 8 – RomA: 37%; 9 – Los Angeles: 36%; e 10 – Dublin: 35%) Não acredito que Belo Horizonte ainda não tenha entrado nesse ranking! Não deve demorar…
D – O estudo mostra que a área central de Dublin é o ponto de partida e chegada de 192.000 jornadas por dia da semana! 33% o fazem com carro. As ruas da cidade não foram planejadas pensando num volume tão grande. O que me lembra outra cidade que foi planejada para ser a capital de Minas Gerais. O reflexo disso é um ambiente congestionado e poluído. Assim como Belo Horizonte, o centro de Dublin não é apenas comercial. Muita gente vive nessa parte da cidade também.
E – A Irlanda vem se recuperando economicamente desde a crise de 2008. Isso impacta em maior atividade prevista para Dublin na sua área central. A Câmara de Vereadores espera que haja mais 42.000 jornadas por dia até 2023. Se a mesma proporção de pessoas que usam carros se mantiver, seriam mais 14.000 carros por dia no centro!
F – Considerando o nível de congestionamento, a medida tomada pela Câmara de Vereadores é absolutamente necessária. Aqui, a relação entre poder legislativo e poder executivo municipal são diferentes do caso brasileiro. O trânsito, afiram os locais, é algo que descaracteriza o centro da cidade. Hea muita coisa que simplesmente floreceria se não fosse tão sufocada pelos engarrafamentos. A noção de espaço e a importância das esquinas começa a ser, portanto, revalorizada.
G – Estou hospedado na região de Temple Bar, dois quarteirões distante, para ser preciso, de um espaço chamado College Green: um nó de ruas formado pelo encontro do Parlamento Irlandês e a Universidade Trinity. O fluxo de pedestres e veículos é enorme. Aliás, ao desembarcar lá de um ônibus que me trouxe do aeroporto, fiquei impressionado com a quantidade de gente! Na proposta, esse local vai se tornar um espaço destinado a uma praça completamente livre de carros.
O objetivo principal da política é criar a amizade entre os elementos de uma cidade. Aristóteles
H – Grafton Street é uma rua da cidade destinada apenas a pedestres. Trata-se de um grande espaço destinado ao comércio. Ela vai ser anexada ao St. Stephen’s Park por outra área livre de carros. É como se um jogo de ligar os pontos fosse conectando áreas verdes. O asfalto das ruas será coberto dando espaço a calçadões arborizados com cafés.
I – Dublin também tem um rio! O seu fluxo d’água é maior que o Ribeirão Arrudas (principal curso d’água em Belo Horizonte) e aqui ninguém teve a imbecil idéia (perdão por discordar, Fernando Pimentel e Aécio Neves) de cobrí-lo com asfalto para criar uma via de trânsito rápido. As margens do Rio Liffey, na altura da Passarela Bachelor e do Passadiço Quay, serão transformadas em pistas de cooper e ambientes para desfrute, onde os únicos veículos permitidos serão aqueles a realizarem entregas nos estabelecimentos cormeciais que já começam a tomar conta do local. (Vejo um potencial enorma para o mesmo na Rua Sapucaí, no Bairro Floresta, em Belo Horizonte!) Na cidade do Rio de Janeiro, podemos destacar o porto maravilha como bom exemplo de revitalização urbana.
J – As maiores ruas da cidade serão todas equipadas com vias exclusivas para ônibus e biciletas.
K – Em conjunto com o projeto de urbanização, a cidade está gastando 368 milhões de euros na extensão do seu sistema de veículo leve sobre trilhos (VLT), aumentando para o nordeste de Dublin uma linha que vai atender passageiros até 2017.
L – Outra meta do plano: reduzir o uso diário de carro de 33% dos habitantes para 22% em dois anos. E uma das formas é estimular o uso do Uber! Logo ele, que em Belo Horizonte tem sido tema de violência e intolerência.
A maior força de uma cidade é ter muitos cidadãos instruídos. Martinho Lutero
M – Os amantes de carro, se seguem lendo esse texto, devem se perguntar: e para onde vão os motoristas e seus veículos? Bem, Dublin espera que parte deles comece a utilizar o veículo leve sobre trilhos que realmente vai passar a atender o dobro de pessoas que atende hoje. Ainda, a frequência de ônibus será dobrada até 2017. Toda uma nova malha de ciclovias (separas do trânsito com segurança) será criada, onde algumas ruas terão apenas uma mão para carros e duas mãos para ciclitas. O Bus-Rapid Transit (BRT) também está nos planos, além da construção de novas pontes nas docas dos rios que evitem o trânsito nas pontes do centro da cidade.
N – Eu fico impressionado por não ver mais biciletas! Um motivo: a cidade é completamente plana! Pedalar em Belo Horizonte, eu sei, não é fácil (e por isso optei por um modelo elétrico que ajuda nas ladeiras mineiras), mas por aqui é moleza! Com um aplicativo de celular, você pode aluagr biciletas por todo lado!
0 – O projeto pode parecer distante da realidade, mas essa onda tomou conta da Europa!
P – Vejam o que está acontecendo em Paris. Vejam o que está acontecendo em Bruxelas. Vejam o que está acontecendo em Madri.
Q – O que parece estranho hoje, pode ser perfeitamente normal amanhã! Imaginem se os pedestres não consideram exótico trafegar por cidades livres de engarrafamento? Pensem que, daqui cinquenta anos, os moradores de Dublin podem soltar gargalhadas se lembrando de um tempo onde os carros os atrapalhavam a andar. E não o contrário!
Perfeitamente apropriado é o caminho da cidade a que falem e ouçam os que nele transitam.
Platão
R – O que vejo no Brasil atualmente é uma guerra! Só num cenário de guerra se escuta uma expressão como “Nós vamos tomar a Paulista!” A principal avenida do principal centro financeiro do país se tornou um palco de batalha, dias atrás, quando o Prefeito Fernando Haddad, resolveu inaugurar uma ciclovia por lá. Em primeiro lugar, que expressão horrorosa! Vai se tomar a avenida de quem? E se entregar a quem? Não é assim que se conduz uma cidade, na base da carga de cavalaria, ou na carga de bicicletaria.
S – Obviamente, é necessário reconhecer o esforço do prefeito para expandir ciclovias. Essa iniciativa começou com Gilberto Kassab, seu antecessor. Como ele não era petista, alguns militantes não festejavam muito. Agora, festejam. O que sinto faltar em São Paulo é maior envolvimento da população inteira. Eu, como estou do lado de quem usa bicicleta, sempre vou curtir novas ciclovias! Todavia, entendo que a grande parcela da população não o faz ainda. E a cidade precisa ser pensada para todos os seus habitantes. Os paulistas podem aprender muito com Dublin. Abordei cerca de dez pessoas para perguntar sobre o plano e todos sabiam dizer do que se tratava!
T – Ainda, não adianta fazer ciclovia por fazer! Eu já vi exemplos de ciclovias com uma árvore no meio em São Paulo! Com um poste no meio! Ciclovias sem pé nem cabeça! O que fica claro é que não adianta uma atitude isolada. O trânsito se pensa de forma compartilhada.
U – No centro de Belo Horizonte, eu consigo visualizar um potencial enorme para modificações. Observem a Praça da Savassi e a Praça Sete de Setembro. Alguém consegue imaginar o que seriam esses lugares se, além das duas avenidas que se cruzam, ainda estivessem abertas a veículos as duas ruas que somam-se no asterístco urbano de 8 faixas?
V – Olhem as fotos da capital mineira antigamente! Havia árvores no meio das ruas! Nossa cidade foi planejada com o melhor que o urbanismo oferecia em 1897. Aarão Reis deu conta do recado ao planejar a nova capital. Com o tempo, os gestores públicos foram deixando o planejamento de lado. As metas foram desaparecendo. Os bondes, cheio de pernas, pernas brancas, pretas, amarelas, pararam de passar.
X – Dublin me lembra muito Belo Horizonte. Em primeiro lugar, há bar aqui para todo lado. Ontem, em plena segunda-feira, a turma bebia animada sem pensar na terça-feira que vinha em seguida. Achei que isso era um bom hábito apenas dos meus conterrâneos! Em segundo lugar, é uma gente muito animada e receptiva! A cidade fervilha com happy hour e festas de rua. Em terceiro, lugar parece que ambas entendem a importância da convivência. Deveriam se tornar cidades-irmã.
W – Fica o exemplo para quem ler esse texto. Não se assustem com o novo! O novo inevitavelmente chega. Depende de cada um entender que a resistência só atrasa o progresso. A tendência natural da evolução urbana é diminuir o uso do carro. Um carro não faz ninguém melhor, nem aumenta o falo de nenhum cidadão. O carro é só uma coisa que te leva de um lugar ao outro. E há maneiras mais inteligentes, sustentáveis e baratas de se fazer isso!
Y – Em tempo, há muitos brasileiros em Dublin! Muitos brasileiros mesmo! A cidade é tomada por estudantes que escolheram esse destino para o intercâmbio. Todos eles se acostumaram com esse novo modelo de vida, mesmo tendo nascido nas nossas polúidas e engarrafadas cidades. Ou seja, a mudança é uma questão de opção.
Z – Se eu quero os carros fora do Centro de Belo Horizonte? Com certeza quero menos deles por lá. Para isso: cidadania, planejamento, criatividade e metas.