As lições ambientais que Hugo Werneck nos deixou

No mês passado deveria se comemorar o centenário de nascimento do dentista e defensor da ecologia Hugo Eiras Furquim Werneck, nascido em 30 de março de 1919. Entretanto, nada foi feito para homenagear aquele que é considerado o “pai do ambientalismo brasileiro”.  A data simplesmente passou em branco, justamente em um momento em que Minas Gerais enfrenta os reflexos da tragédia de Brumadinho e a proteção ao meio ambiente se torna mais imperiosa do que nunca.

A trajetória de Hugo Werneck revela como é possível uma pessoa contribuir de forma tão relevante para a transformação das vidas de seus semelhantes. Belo Horizonte tem uma dívida com ele. Era dele a primeira voz que se levantou contra a destruição da Serra do Curral, ainda na década de 1950. À época, ninguém conseguiu entender a importância do alerta que Werneck fez, e nenhuma providência foi adotada para assegurar a proteção da serra, vitimada pela exploração predatória das mineradoras, incêndios criminosos e outros danos causados pelo ser humano.

Apaixonado pela proteção das aves, o dentista Hugo Werneck se dedicava a soltar passarinhos em áreas verdes onde eles teriam boas condições de viver e procriar, em uma cruzada particular pela sobrevivência de tais espécies. Para isso, ele enchia uma kombi antiga com espécies nativas resgatadas de cativeiro e as libertava onde elas tinham condições favoráveis para viver e procriar. Uma das aves que contavam com a proteção de Werneck é o pintassilgo, espécie da mata atlântica, que já esteve gravemente ameaçada de extinção, mas sobreviveu e hoje tem como um de seus habitats justamente a Serra do Curral.

Este gesto fez que, em uma ocasião, Hugo Werneck fosse perseguido por policiais ambientais, que acharam que ele era um traficante de aves silvestres. O mais curioso é que na infância ele tinha o hábito de pegar passarinhos e por na gaiola. Seu pai, o famoso médico Hugo Werneck, que hoje dá nome a uma praça em Belo Horizonte, o deixou de castigo em várias oportunidades. A tarefa imposta ao futuro defensor da natureza era escrever pelo menos 100 vezes a frase “maltratar animais e plantas é indício de mau caráter”. A lição paterna foi aprendida.

O pioneirismo e a dedicação do “libertador de aves” acabaram ganhando repercussão. Em 1993, ele foi convidado para presidir a Fundação Zoobotânica de Belo Horizonte. Também atuou no Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) e do Conselho Municipal de Meio Ambiente de Belo Horizonte (Comam). Sua atuação também o levou a se tornar palestrante e consultor de empresas que buscavam implementar iniciativas de preservação ambiental. Chama a atenção neste campo de atuação de Hugo Werneck sua preocupação com a educação e a conscientização da população onde tais projetos eram implantados.

Ele acreditava que a interação do homem com a natureza é essencial para a recomposição do meio ambiente e que o afeto era o caminho para tornar essa conexão uma realidade.  “O amor que dedicamos à natureza e ajuda ao próximo é o que nos ensina. Essa é a beleza da natureza. Tudo o que fizermos por ela retornará a nós mesmos”, afirmou em uma entrevista em 2008, quando já estava gravemente enfermo. São lições que temos o compromisso de difundir, reverberando o que Hugo Werneck nos ensinou. Ele tinha certeza da vitória da natureza contra a devastação. Mesmo em um momento de destruição como o que vivemos, é necessário manter e ampliar essa esperança.

Publicado em: Jornal O Tempo – 03/05/19 – 03h00