Defesa das candidaturas independentes no STF
Excelentíssimo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Cumprimentando o Presidente desta corte, presto homenagens de estima a todos os demais. É com muita responsabilidade que me manifesto aqui hoje em nome do movimento Livres, do qual faço parte, e do RenovaBR, escola de política onde sou professor.
O tema dessa audiência pública é fundamental para a democracia brasileira: a possibilidade das candidaturas independentes, ou seja, o ingresso em mandato por meio do voto popular, sem a necessidade de estar filiado a partido político.
Para minha argumentação, é necessária a devida compreensão do que é política. A palavra vem da expressão grega que dá nome a um livro de Aristóteles. “Politiká” se conecta a “politiké techne”, derivada do substantivo “pólis”, cujo significado denominava o que hoje chamamos de cidade. Seguindo essa lógica, o político, “politikós”, era aquele cidadão que participava da organização da vida da cidade.
A política propriamente dita é o tipo de interação entre pessoas que regula os conflitos em uma comunidade conformada para a condução dos assuntos comuns baseada na vontade coletiva, ao invés de ser regulada pela vontade de um uma só pessoa ou de poucas pessoas.
O sentido da política, bem definiu Hannah Arendt, é a liberdade: a liberdade de não ser conduzido heteronomamente, a liberdade de existir como realidade social.
O primeiro registro que define a democracia na civilização aparece em Os Persas, de Ésquilo. Os atenienses são definidos como pessoas que não possuem um senhor.
Quando a política propriamente dita se exerce, ela se exerce para desconstituir autocracia, um modo de regulação top down. Eis, aqui, o genos da democracia.
A ideia aristotélica de que o homem é um animal político não se sustenta, posto que exigiria uma substância política original associada ao humano. Não há. Como percebeu Hannah Arendt, em sua obra “O que é política?”, a política só surge na relação entre os homens e, portanto, pressupõe a sua interação.
Podemos afirmar que a política é um tipo de interação, e não uma qualidade inerente da natureza humana, posto que, em situação hipotética de existir apenas um indivíduo isolado, é certo que política não haveria.
A consequência dessas afirmações é que a condução heterônoma de qualquer conjunto de seres humanos não é, a rigor, política. E que nem toda arte de governo é política. Um absolutista não faz, na verdade, política.
Para haver política é preciso que exista uma rede social, ou seja, uma rede de pessoas interagindo e se autorregulando em alguma medida. Se não se tivesse conformado uma rede social com significativo grau de distribuição na Ágora Ateniense, a democracia não teria tido o local para seu nascimento.
Políticas corporativas e partidárias são políticas privadas. Qualquer política feita para atender interesses ou para expressar visões de um grupo particular é política privada. Isso não significa que essa política seja ilegítima.
Pelo contrário. O que é ilegítimo, do ponto de vista da democracia, é determinar que só esse tipo de política possa ser feita.
A via única de acesso ao Estado que passa necessariamente por partidos é ilegítima do ponto de vista da democracia, vez que limita a possibilidade de defesa de todos os interesses na esfera legislativa sobretudo a pequenos grupos – partidos políticos, excluindo o restante da população como se incapazes fossem.
É por isso que entendo que a partidocracia é uma via de autocratização da democracia, paradigma que pretendo ajudar a desconstruir na oportunidade dessa audiência pública chamada pelo eminente ministro relator.
Aliás, que bom que dela não participam apenas pessoas filiadas a partidos políticos, não é mesmo? Caso assim fosse, eu ficaria impedido de participar. E tantos outros por aqui.
A democracia não é obra pronta. E, vale lembrar, não é o governo da maioria. É o governo de qualquer um.
O regime aqui tratado evoluiu bastante no Brasil e deve seguir evoluindo. A história nos conduz. Em 1532, o voto para a escolha de representantes no Brasil teve seu primeiro registro, na primeira eleição na Vila de São Vicente, e visava escolher o Conselho Administrativo. Quais eram aqueles aptos a votar? Homens Bons.
Quem eram as pessoas enquadradas como “Homens Bons” naquele momento? Exclusivamente indivíduos do sexo masculino, qualificados pela linhagem familiar, pela renda, pela propriedade, bem como pela participação na burocracia civil e militar à época. Ainda bem que a democracia evoluiu.
Em 1824, com nossa primeira constituição, registra-se o voto censitário, restringindo o direito a uma parcela da população, qual seja os homens com requisitos de idade mínima e renda determinada, sendo esta, inclusive, escalonada por critério de renda.
Como se tratava de eleições indiretas, os chamados “votantes”, com renda mínima exigida de 100 mil réis anuais, escolhiam os chamados “eleitores”, que deveriam ter renda mínima de 200 mil réis. Por sua vez, os eleitores escolhidos votavam em seus representantes. A aferição desses valores se dava pelo número de alqueires de mandioca.
Creio que a mandioca nunca deveria ter sido, nem naquele momento, necessária ao voto.
Era uma nítida estratégia para a permanência no poder daqueles que controlavam o poder. Restringiu-se o direito a uma pequena parcela, ao arrepio de participação verdadeiramente popular.
Em 1891, com a constituição dos Estados Unidos do Brazil, o voto continuou restrito aos homens com idade mínima determinada, excluídos os menores de 21 anos, mendigos, padres e analfabetos. Em 1932, com o advento do código eleitoral, as mulheres foram incluídas como eleitoras no Brasil, em disposição do artigo segundo, que positivava: “É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na fórma deste Codigo”.
Pois bem, Excelentissímo Ministro, as candidaturas independentes eram permitidas durante todo o período colonial, durante todo o tempo do primeiro e do segundo império e durante a duração da República Velha. A soma desses momentos durou quase quatro séculos.
Em 1945, no cenário ditatorial do Estado Novo, adveio a proibição das candidaturas independentes com a edição do Decreto-Lei conhecido como Lei Agamenon.
Nesse sentido, temos a proibição exatamente em momento de restrição de direitos, configurando verdadeiro retrocesso ao processo democrático, em movimento contrário a toda essa evolução histórica de participação no processo político.
Em 1946, a constituição não contava com as candidaturas independentes e, com o golpe de 1964, os partidos políticos criados, ARENA e MDB serviam de via única de ingresso para os mandatos e não passavam de produtos artificiais que atendiam os caprichos da ditadura.
Resta claro que o interesse dessa vedação aos candidatos independentes nunca teve relação com a democracia, sendo apenas mais um instrumento utilizado para a manutenção no poder do status quo.
Há quem tente vincular a extinção de candidaturas independentes ao aumento da participação política. Entretanto, este argumento só satisfaz aqueles que negligenciam a história do nosso país.
Por anos, todos partidos políticos foram criados não para ampliar a participação, mas para garantir um mecanismo de exclusão, por critérios completamente subjetivos, de quem pode ou não se lançar candidato. Retomando a conexão com a exposição sobre o conceito de política, fica cabalmente demonstrado que os partidos políticos são uma consequência do exercício da atividade política pelos cidadãos e jamais um pressuposto dela.
A política, como demonstrado, precede os partidos. Não quero dizer, de forma alguma, que os partidos são maléficos à democracia. Não são. No entanto, o monopólio conferido a estes representa, sim, barreira verdadeiramente intransponível a grande parte da população brasileira
Esta barreira criada, que só faz afastar a população da possibilidade de ingresso nas esferas do poder executivo e legislativo, contraria o movimento que é observado na maior parte do mundo.
Tentam os contrários propagar um medo de eventual colapso da democracia, como se o aumento da participação e a pluralidade de ideias fossem perigosos ao regime democrático. Para jogar por terra esses argumentos basta voltar os olhos a outros cantos do mundo. O presidente da França, Emmanuel Macron, elegeu-se sem estar filiado a um partido político, e nem por isso, houve qualquer disrupção do modelo democrático na França. Da mesma forma, Joachim Gauck, que presidiu a Alemanha até março de 2017, chegou ao poder sem filiação.
Esse fenômeno de ingresso sem a guarida de uma legenda partidária ocorreu em outros lugares da Europa. Nos Estados Unidos da America, as eleições não partidárias são comuns no nível municipal. Também lá, dois senadores não são filiados a nenhum partido. Por outro lado, o Brasil se equipara, em termos de restrição eleitoral às candidaturas independentes, ao grupo que representa menos de 10% dos países do globo, entre eles Angola, Cambodia, Guatemala, Jordânia, Nicaragua, Nigéria, Suriname, Tanzânia, Uzbequistão e Zanzibar.
Excelência, a questão é urgente. O momento é de fortalecimento da democracia e a população anseia por alternativas.
A pesquisa realizada pelo CNT/MDA em fevereiro deste ano aponta que, quando perguntados sobre as instituições e/ou corporações em que o entrevistado mais confia, apenas 0,2% das pessoas escolheram os partidos políticos.
Em outro prisma, pesquisa Datafolha datada de abril deste ano aponta que 65% dos brasileiros não se identificam com partidos políticos. A estes, qual a alternativa? A filiação contra a vontade?
Pois bem, essa alternativa, por óbvio não pode ser contrária ao ordenamento jurídico. Diante disso, passo à exposição da conformidade da possibilidade de candidaturas independentes com o texto constitucional.
A nossa Constituição dispõe, no §2º do artigo 5º, que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
Bem, a Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, ratificada pelo Brasil em setembro de 1992, dispõe, em seu artigo 23 que: “Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades:
a) de participar da direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos;
b) de votar e ser eleitos em eleições periódicas autênticas, realizadas por sufrágio universal e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores; e
c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.
Ainda nesse artigo, estabelece em rol taxativo as hipóteses de limitação: A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades e a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivos de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal.”
Vejamos, se mais de 65% dos brasileiros não se identificam com os partidos políticos no Brasil, como sustentar que as eleições das quais participam somente os filiados respeitam a “livre expressão da vontade dos eleitores”? E como justificar o impedimento aos não filiados, se essa hipótese de restrição não consta do tratado ratificado após a Constituição de 1988?
De certo, não há dúvida que a Convenção supracitada garante a possibilidade de candidaturas independentes, ampliando a possibilidade de participação nos procedimentos eleitorais, em um claro movimento de aprimoramento da democracia.
Resta então a discussão sobre o aparente conflito do tratado com o artigo 14, §3º, V, que prevê como condição de elegibilidade a filiação partidária.
Segundo entendimento firmado por este Supremo Tribunal Federal ao analisar a compatibilidade da previsão constitucional expressa da possibilidade de prisão do depositário infiel, o Pacto de São José não poderia ser equiparado às disposições constitucionais, uma vez que sua inserção no ordenamento brasileiro não seguiu o rito necessário às emendas à Constituição de aprovação em dois turnos por pelo menos 3/5 da Câmara dos Deputados e do Senado.
Entretanto, foi conferido ao tratado o caráter supralegal, estando abaixo da Constituição, mas acima da legislação interna. Como bem apontou o Ex-Ministro Cezar Peluso: “O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação.”
Dessa feita, cristalina a necessidade de um reconhecimento do efeito paralisante que o tratado internacional de direitos humanos ratificado pelo Brasil impinge na legislação infraconstitucional.
A consequência que esperamos ver é a declaração que toda legislação infraconstitucional em conflito com o disposto no aludido tratado torne-se inaplicável não só para garantir o respeito ao tratado assinado, mas para garantir a interpretação mais ampla possível aos direitos do indivíduo.
Tal declaração fortaleceria a democracia na medida em que retira o monopólio dos partidos, pessoas jurídicas de direito privado, para lançar candidatos, e garantiria ao cidadão a liberdade de escolha, se quer ou não se filiar a uma legenda para concorrer a cargo eletivo.
Completa a brilhante manifestação o Ex-ministro Cezar Peluso: “Deixo acentuado, também, que a evolução jurisprudencial sempre foi uma marca de qualquer jurisdição de perfil constitucional. A afirmação da mutação constitucional não implica o reconhecimento, por parte da Corte, de erro ou equívoco interpretativo do texto constitucional em julgados pretéritos.
Ela reconhece e reafirma, ao contrário, a necessidade da contínua e paulatina adaptação dos sentidos possíveis da letra da Constituição aos câmbios observados numa sociedade que, como a atual, está marcada pela complexidade e pelo pluralismo.”
É exatamente esse reconhecimento que defendo aqui hoje: a evolução da jurisprudência para a interpretação do texto constitucional de maneira a adequá-la ao contexto atual, como corretamente fez essa corte para declarar a incompatibilidade da prisão do depositário infiel. Tão incompatível quanto a prisão civil é a limitação da democracia que determina a filiação como condição de participação plena nos pleitos eleitorais.
Para corroborar o entendimento que aqui exponho, trago dados que apontam que o contexto nacional demonstra a urgência da resolução da questão.
Para além das pesquisas que demonstram a falta de confiança e de identificação dos eleitores com os partidos políticos, apresento dados retirados do sítio eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral, referentes às eleições proporcionais realizadas em 2018.
Analisando os votos destinados a conferir mandato de Deputado Federal, apenas 5,8% da população votou na legenda de algum dos partidos, em contraste com 78,23% dos votos nominais.
Para eleger os Deputados Estaduais, somente 7,36% da população optou pelo voto em legenda, em contraste com 79,78% dos votos nominais.
O padrão se repete também nas eleições para Deputado Distrital, com 4,80% dos votos em legenda, ao passo que os nominais somaram 84,7%. Os números coadunam com os levantados em pesquisa, e apontam que a escolha do eleitor é, em sua maioria, direcionada ao candidato e não ao partido. A democracia deve ser exercida de forma plena, assegurado o prisma mais amplo possível para a participação popular.
Em um país em que menos de 10% da população é filiada a algum partido político, não vejo como defender que a interpretação mais acertada é a que exige a filiação para a possibilidade de concorrer nas eleições.
O sufrágio é UM elemento da democracia. Querer reduzi-la ao exercício do direito ao voto é afastar a população do campo político. A população dos 5.570 municípios brasileiros é atualmente refém das legendas partidárias, que escolhem a dedo e com critérios completamente subjetivos os pretensos candidatos.
A filiação é, na verdade, barreira para a mera possibilidade de concorrer a mandato eletivo, barreira esta criada num contexto ditatorial para a manutenção do poder entre quem faz da política uma profissão.
Respalda este entendimento o texto do parágrafo único do artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil, que positiva que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Nesse sentido, não há interpretação outra a não ser que os representantes são os mandatários eleitos e não os partidos.
As próprias regras eleitorais são um reflexo deste entendimento. Caso um parlamentar eleito vote contra a orientação do seu partido, seria esse um voto inválido? Por óbvio não. Ele estará sujeito às sanções do estatuto do partido ao qual está filiado, mas a expressão de sua vontade é válida para todos os efeitos.
E ainda que expulso do partido por não seguir as orientações, não perderá o mandato. Continuará atuando na defesa daqueles que representa. Parece verdadeiro contrasenso a obrigatoriedade da filiação para a candidatura, mas não para o exercício do mandato.
No caso de senadores, prefeitos, governadores e presidente, isso fica ainda mais óbvio. O próprio STF já assim decidiu em questões que envolviam parlamentares do Senado Federal.
Em 2016, filiei-me ao Partido Humanista da Solidariedade para ser candidato a vereador abrigado com uma cláusula de independência. Fui eleito e, nesse ano, o TSE aceitou a incorporação do PHS ao PODEMOS. Não sou obrigado a me filiar após a incorporação. Estou assim, sem partido. E o mandato segue legítimo instrumento de representação de parcela de Belo Horizonte que a mim confiou um voto. Nenhuma das minhas capacidades parlamentares foi tolhida por isso. Sou um político sem partido, mas sigo um político com ideias e com votos.
A escolha nas eleições proporcionais é esmagadoramente nominal, e os recentes casos de posicionamento contrário ao orientado geram exatamente o sentimento de representação pelos eleitores, ao identificar que o eleito se pauta por seus princípios e não é mero carimbador da vontade dos caciques políticos que comandam os partidos.
Entre os contrários às candidaturas independentes, há aqueles que tentam construir uma relação de causa e consequência entre as candidaturas avulsas e uma imaginária crise de representatividade.
Devolvo a estes o questionamento de como a representatividade seria assegurada pelo atual modelo, em que há verdadeira dança de cadeiras entre parlamentares e legendas.
Novamente me valendo de dados, temos que 163 Deputados Federais trocaram de partido ao menos uma vez na legislatura 2015-2018, o que representa 31,5% do total de parlamentares.
Como um candidato independente, que terá de se eleger posicionando-se sobre os mais diversos e polêmicos temas, sem a possibilidade de se esconder atrás do posicionamento da legenda, apresentaria mais risco à representatividade que um candidato que, após assumir o mandato, muda para outro partido que tem um posicionamento completamente diferente da legenda pela qual foi eleito?
A manutenção do status quo não interessa a ninguém a não ser àqueles que já ocupam o poder, e que detêm um fundo partidário bilionário para financiamento das candidaturas de nomes pré-definidos que se perpetuam a décadas no poder.
Ademais, os argumentos contrários pregam um risco do que chamam de “hiperfragmentação da representação”.
Novamente, completamente equivocado relacionar a representatividade exclusivamente aos partidos políticos. É dizer que os mais de 210 milhões de brasileiros devem se contentar com as apenas 32 possíveis correntes de pensamento na atualidade.
A verdade é que muitas legendas não representam pensamento algum. Não passam de cartórios que permitem candidaturas. Nem sempre por princípios.
A mim, não faz o menor sentido. Querer limitar todo e qualquer posicionamento político exclusivamente àqueles pregados pelos partidos é em última instância limitar a própria democracia. É dizer que, se o cidadão que pretende concorrer ao cargo eletivo não concorda com os posicionamentos existentes, deve se adequar ao menos pior.
Em outro prisma, necessária a reflexão se todas as posições, todas as minorias, todas as linhas de pensamento estão abrangidas pela atuação dos partidos políticos existentes. Em caso contrário, as que estão a descoberto serão simplesmente ignoradas?
Terão essas minorias excluídas de abrir mão da defesa deste ou daquele ideal que acreditam profundamente para se filiar a um partido político? Isso, a meu ver, não é compatível com um regime verdadeiramente democrático.
E me contrapondo também os que dizem que a possibilidade de candidaturas independentes teria por consequência a extinção dos partidos políticos, trago números de um panorama bastante diferente. Na Índia, por exemplo, apenas 0,49% de todos os candidatos independentes foram eleitos para o parlamento desde as primeiras eleições, em 1952.
No Reino Unido, num período de 19 anos, apenas dois candidatos conseguiram se eleger para a Câmara dos Comuns.
As candidaturas independentes, como algumas correntes tentam sugerir, não causam a extinção dos partidos. Elas representam uma alternativa para o cidadão, e não a substituição de um modelo partidário.
Data máxima venia, grande parte da argumentação contrária às candidaturas independentes sequer atacam o direito por mim defendido, que tem completa compatibilidade com o ordenamento constitucional vigente.
Limitam-se a apontar as eventuais mudanças que o processo eleitoral e as estruturas partidárias sofreriam caso a tese seja aceita.
O meu papel aqui, como operador do direito, é discutir a adequação ou não da norma contida em tratado internacional ratificado pelo Brasil, com a Constituição Cidadã.
Eventuais alterações procedimentais em caso de acolhimento da tese defendida ficarão a cargo dos órgãos e instituições competentes. A evolução dos processos democráticos muitas vezes incomoda, mas são incontestavelmente necessários.
Não se pode, repito, confundir democracia com sufrágio. A filiação deve ser vista como opção àqueles que se identificam plenamente com esta ou aquela legenda. Conferir aos partidos políticos a exclusividade de apontar quem pode ou não concorrer a uma eleição é incompatível com a democracia, que deve ser buscada em sua forma mais plena.
É um privilégio ser parte do Movimento Livres… Defender a liberdade por inteiro é garantir que um dia sejamos todos livres para nos candidatarmos como melhor entendermos.
É um privilégio ser professor no RenovaBR: no último sábado, formamos 1.170 pessoas que deverão se candidatar a prefeito e a vereador em 2020. Quase metade delas não possui um partido político e encontra nessa obrigatoriedade de filiação seu maior desafio.
Entre a vontade de cuidar das cidades onde vivem, há o obstáculo de partidos políticos que, sobretudo em âmbito local, são propriedade de pessoas que não desejam permitir a renovação. Ignorar o que são as legendas nas pequenas cidades brasileiras é fechar os olhos adversários da nossa democracia no seu âmbito mais genuíno: o local.
Deixo-lhes cinco reflexões finais:
1 – os partidos políticos não são organizações públicas e, como organizações privadas que são, tendem a privatizar partidariamente a esfera pública;
2 – a competição entre partidos políticos, por si, não é capaz de gerar um sentido público na sociedade;
3 – não basta fundar mais partidos políticos para renovar a política, dado que eles possuem o mesmo padrão organizacional obsoleto numa hierarquia que não reproduz a evolução de interação na sociedade sobretudo nas democracias;
4 – aguardar a tão propalada reforma interna nas legendas que geraria mais democracia e transparência no seu sentido é uma ilusão, posto que seus atuais ambientes internos pensados de modo hierárquico e autocrático não vai permitir tal mudança;
5 – existe democracia e existe política para além dos partidos dado que a inovação é característica que não se exclui dessas duas formas de interação humana.
Por fim, agradeço a atenção de Vossa Excelência e de todos os presentes, confiante que esse Supremo Tribunal Federal decidirá pela possibilidade de candidaturas independentes em julgamento próximo.
O ministro Luís Roberto Barroso está certo. Na democracia, nenhum tema pode ser tabu. Espero que em pouco tempo possamos todos olhar para a história da democracia no Brasil e constatar que a necessidade de filiação a um partido político para poder se eleger é tão dezarrazoada quanto a exigência de ser possuidor de alqueires de mandioca.
E vejam que, num país em que se plantando tudo da, até plantar aipim como condição de elegibilidade me parece mais democrático do que a burocracia partidária da atualidade que impede 9 a cada 10 brasileiros de ser parte da nossa democracia por inteiro.
Obrigado.